
A alimentação do nosso aborígene
variava de grupo a grupo e tribo a tribo, conforme o estado intelectual
e a a situação geográfica de cada um.
Os habitantes da faixa litorânea se
alimentavam de caça, pesca, dos frutos silvestres e do que plantavam em
seus rudimentares roçados. Faziam o uso do sal, o que conseguiam
retirando-o do fundo das covas que abriam nas proximidades do mar,
depois que houvesse a evaporação total da água. Os tupinambás tinham o
paladar mais apurado e não se contentavam somente com o sal,
misturavam-no com pimentão para condimentar seus alimentos.
Os filhos do sertão
ignoravam a existência do alimento salgado e só ingeriam comidas
insípidas.
Os tapuias, ao contrário
dos tupis, ingurgitavam-se com carne crua, fazendo uso das unhas e dos
dentes como feras, por não conhecerem o fogo e os instrumentos cortantes
fabricados pelas tribos mais adiantadas tais como: lâminas de bambu, com
conchas e com ossos de animais.
Entre os habitantes da
opulenta Rondônia, Roquette-Pinto notou que os nhambiquaras não
respeitavam nenhuma espécie de animal, deglutiam tudo: "Um mosquito que
apanhavam no corpo, um piolho, um gafanhoto, uma lagartixa que passa
correndo, nada escapa.".
As narrativas dos
primeiros cronistas e dos viajantes que perlustraram nossas plagas estão
repletas de referências neste sentido. Os mandacurus estudados por S. F.
Hartt (Arq. Mus. Nac. 1885) comiam, além da carne de jibóia, jacaretinga,
etc.., muitos outros insetos. Comiam várias lagartas, bichos-de-coco,
algumas formigas e certas espécies de cupins.
Hartt teve o ensejo de
ver uma senhora civilizada tirar a cabeça de uma saúva, mastigá-la e
comê-la.
Animado pelo exemplo, fez
o mesmo, e escreve, textualmente: "Quando o inseto ficou esmagado entre
meus dentes, a minha boca ficou invadida por um sabor um tanto forte de
especiaria, assemelhando-se um pouco ao cravo".
Confessa o sábio etnólogo
que tais formigas adicionadas ao molho de tucupi tornavam-no delicioso.
E o venerando Padre
Anchieta é mais positivo ainda quando escreveu: "Quão deleitável é esta
comida e como é saudável, sabemo-la nós que a provamos". ("Cartas
Jesuíticas", T. III, 122).
Em certas regiões do
país, ainda hoje são apreciados, pela gente do povo, as larvas de alguns
coleópteros que vivem nos cocos de várias palmeiras, os chamados
bichos-do-coco, inclusive no coco da Bahia.
Também são estimadas as
lagartas de determinadas borboletas, inclusive uma que vive nos bambus,
e da qual Saint´Hilaire experimentou o sabor, proclamando excelente. É o
bicho-da-taquara.
As tribos que habitavam o
litoral, costumavam ter víveres de reserva, os quais os conservavam
dependurados no interior da taba, onde a perene fumaça do fogo existente
ali, não deixava que as carnes e os legumes se deteriorassem.
Normalmente o alimento
era condicionado pelo meio ambiente. Quando acontecia viver o índio em
lugares de grande abundância piscosa, fazia-se ictíofago. Se habitavam a
floresta, distante dos rios e do mar, contentavam-se com o alimento que
a mata fornecia. Nas regiões providas de muita água, onde havia
tartarugas que desovavam nas praias, estas não escapavam à "viração" e,
com elas, os cascudos menores, o tracajá e o jaboti e o próprio jacaré
entre aquelas tribos em que esses bichos não eram totens.
Eram abundantes o número
de frutos consumidos pelos indígenas entre eles: os araçás, as goiabas,
os cajús, as pupunhas, o mamão, os joambos (como ameixas brancas), o uti
(fruta comprida gostosa de comer), o ubacropaci (semelhante ao pêssego),
a mangaba, o pinhão, o ananás, o açaí, o muruxi, o melão, o bacuri, o
abricó, a jaboticaba, as castanhas do Pará.
Brandonio, nos seus
"Diálogos", comentados com tanta erudição pelo doutor Rodolfo Garcia,
trouxe ao nosso conhecimento uma lista riquíssima de utilidades
existentes em nossa terra e que o índio comia. E ainda nos fala do "caruá
do tamanho de uma abóbora que, depois de colhido e metido alguns dias em
uma caixa, exalava um cheiro tão suave, que basta para espalhar
fragrância dele por toda a casa." E, de muitos outros produtos da terra,
entre os quais não convém esquecer os dois principais elementos da
nutrição do índio: a mandioca e o abati, nome como o milho era conhecido
entre as tribos do litoral do Brasil.

Para os índios
brasileiros, oferecia muito maior importância uma planta que produzia,
com sua raiz, o pão de cada dia e por sua abundância, propiciava a
segurança alimentar de todas as tribos: A Mandioca. Com ela faziam vários pratos. Usavam-na depois de transformada
em fina polpa. Para isso, deixavam-na de molho, às vezes até cair a
casca e em seguida ralavam-na e espremiam-na no tapiti. O ralador era
comumente constituído por encrustações de pedras, espetos ou espinhas em
um pedaço de madeira tenra, quando não usavam lascas de palmeiras
espinhentas para poupar trabalho na construção do útil instrumento.
Obtida a polpa, com elas fabricavam os beijus, os bolos, o pão indígena
que se conservava por muitos anos e o enebriante cauim tão procurado nas
festanças.
O cauim era preparado em
enormes gamelas, algumas das quais com as dimensões de uma canoa,
ficavam semi-enterradas. Para auxiliar a fermentação, as índias
mastigavam a polpa da mandioca e cuspiam-na no recipiente onde se achava
a água. Antes de deixarem fermentar a bebida, ferviam-na.
Além do tubérculo citado,
os autóctones utilizavam para o fabrico de bebidas: o caju, o ananás e o
milho. No litoral, o caju medrava com facilidade espantosa, formando
bosques e sombreando, em grandes extensões as areias alvas das praias. A
colheita do caju era motivo de folguedos excepcionais, que muito se
assemelhavam aos que se realizam em alguns países na época da vindima.
Um alimento também muito
apreciado pelos indígenas era o mel que usavam e abusavam a valer, ora
misturado com água formando o hidromel, ora puro, saboreado no próprio
casulo.
Embora não
fosse difundido o emprego do palmito na alimentação do
indígena, constituía um acepipe bastante apreciado,
principalmente complementando pratos de carnes e muitas vezes
em conjunto com a batata doce.
Nenhum pescado
era jamais servido, sem que tivesse sido generosamente
apimentado com a variedade denominada Malagueta ou com a
variedade Cumari.
Entre os nossos
silvícolas, a antropofagia nunca foi encarada como um
complemento alimentar. Os casos conhecidos de ingestão de
carne humana são todos de cunho nitidamente ritual, em virtude
da crença generalizada que as virtudes de um homem poderiam
ser transmitidas a quem comesse sua carne.
Pela mesma
razão, alguns parentes eram comidos após a morte,
representando um preito de amor e respeito pelo falecido. De
tais banquetes, somente participavam os parentes mais
chegados, que, para conseguirem realizar tão estranho repasto,
necessitavam ingerir grande quantidade de bebidas alcoólicas.
Quando todos se encontravam completamente embriagados é que
dispunham a dar início ao macabro festim.
O alemão Hans
Standen, que foi prisioneiro dos Tupinambás, na primeira
metade do século XVI, informa em seu livro:
-"Os indígenas
devoram seus inimigos, porém não o fazem tangidos pela fome".
É grande a documentação
que nos leva a afirmar hoje, sem sombra de dúvida, que o nosso índio
tinha do que comer com abundância. A sua rica alimentação conteria valor
vitamínico e quota proteica, condições essenciais da boa nutrição, o que
explicaria a sua condição física, a sua boa saúde e a agilidade dos seus
movimentos. O equilíbrio resultava da variedade de sua alimentação.
Conseguia com isso, viver afastado das doenças, ser forte e morrer
velho, quando não sucumbia nas guerras, ou fosse atingido por uma flecha
ervada.
Texto pesquisado e
desenvolvido por
ROSANE
VOLPATTO
Bibliografia
Consultada
Angyone Costa -
"Introdução à Arqueologia Brasileira- 2 Edição) - São Paulo, 1938
Cardim (Fernão) -
"Tratados da Terra e Gentes do Brasil" - Rio de Janeiro, 1925
Aurélio
M. G. de Abreu - "Culturas Indígenas do Brasil" - Editora Traço - 1987
Lima Figueiredo - "Índios
do Brasil" - 1949
