O
BURACO NO CÉU (Lenda dos índios Caiapós)


Para os Caiapós, o mundo
e o universo sempre existiram, lhes falta um legítimo mito
da Criação.Sua chegada na Terra deu-se através do espaço
sideral, trazidos pelos fios de uma Deusa-Aranha. Esta
lenda é muito bonita e esclarecedora. É um novo modo de
pensar de como iniciou-se o povoamento de nosso planeta.
Somos nós os alienígenas que tanto ansiamos encontrar?
Vamos então conferir a nossa lenda:
Em tempos muito remotos, os Caiapós moravam no Céu. Lá,
acima do teto do Céu, havia tudo que podiam desejar. Havia
batata-doce, macaxeira, inhame, mandioca, milho, frutos de
inajá, caça de toda a variedade e tartarugas da terra. Lá
havia para comer tudo o que se poderia imaginar.
Certo dia, um guerreiro da classe dos "Mebenget",
descobriu no mato a cova de um tatu. Querendo caçar o
animal, começou a cavar. Cavou, cavou o dia todo, até a
noite, sem encontrar o tatu. Na manhã seguinte, bem cedo,
foi para o mato, para continuar cavando. Cavou até a
noite, em vão.
No quinto dia, quando já cavara bem fundo, avistou o
tatu-gigante.No entanto, na ânsia de cavar, acabou furando
a abóbada celeste.O tatu então despencou.
Foi caindo, caindo, até chegar na Terra. O índio guerreiro
acompanhou-o na queda, mas enquanto caía um vento forte,
de tempestade, o pegou e o atirou de volta para cima.
Desta forma, retornou ao Céu e, através do buraco da
abóbada celeste, olhou a Terra, lá em baixo. Lá distinguiu
uma floresta de buritis, um grande rio e imensos campos. E
desse mundo distante e desconhecido começou a sentir uma
enorme saudade, uma nostalgia infinda.
Apressou-se para chegar até sua aldeia. a fim de espalhar
a novidade.
-"Cavei um buraco no Céu", contou a todos.
-"Mas como foi que isso aconteceu?" perguntaram.
Então o guerreiro disse como havia descoberto no mato a
cova do tatu-gigante e começara a cavar, dia após dia, até
perfurar o firmamento.
-"E onde está o tatu agora?" queriam saber os homens.
-"Rolou para baixo. Eu o vi cair em uma floresta de
buritis".
Então os caciques da aldeia Caiapó deliberaram sobre tudo
que acabavam de ouvir.
-"O que devemos fazer agora?", perguntou um deles.
-"Será que devemos ficar no Céu, ou descer para a Terra?"
O outro opinou que deveriam emigrar para Terra. Por algum
tempo, os dois ficaram pensando e falando. Enfim,
resolveram que os Caiapós deveriam mudar para a Terra.
-"O problema é como vamos descer lá", falou um dos chefes.
O outro aconselhou:
-"Vamos fazer uma corda de todos os nossos fios de teia de
aranha e cordas dos arcos, assim como cordões e fitas.
Tudo isso vamos juntar para fazer uma corda comprida.
E
aconteceu conforme os caciques deliberaram e ordenaram: os
homens fizeram uma corda comprida, que foi jogada por
aquele buraco do Céu. Depois começou a descida.
Mas a corda não tinha comprimento bastante para chegar até
a Terra, e assim tiveram que voltar ao Céu. Lá amarraram
muitas outras fitas e cordas, para encompridá-la. Porém,
ainda não era o bastante comprida e tiveram que voltar
novamente para prolongar a corda, que por fim chegou a ter
o comprimento necessário.
Um homem da classe dos Mebenget, sem medo e livre da
sensação de vertigem, foi o primeiro a descer e foi o
primeiro a pisar na Terra. Ao chegar, amarrou a corda no
tronco de uma gigantesca árvore.
Começou então, a descida de toda a tribo, primeiro os
jovens, depois as mulheres e crianças, as menores presas
às faixas nas costas da mãe. Em seguida vieram os homens
e, por fim, os anciões.
Aconteceu porém, que alguns Caiapós ficaram com medo,
hesitaram e não tiveram coragem de acompanhar os demais na
descida.
Aí, lá em baixo na Terra, um pequeno garoto estranho veio
correndo e quando viu a corda, cortou-a.
Ao fazê-lo riu, zombando:
-"Estou cortando a corda para eles ficarem lá em cima
eternamente e nunca mais descerem."
Assim, alguns ficaram no céu e as estrelas que avistamos
no espaço são suas fogueiras acesas.
O
mito do "Buraco no Céu", como vimos, abre a porta de um
outro mundo para este nosso mundo terrestre.Até então, a
humanidade vivera no teto acima da Terra, "kikwa", no teto
do Céu. E, o mundo lá de cima, seria semelhante ao mundo
indígena de hoje, pois também viviam organizados em
comunidades de aldeias. Um dos seus habitantes, um
antepassado valente, da classe dominante dos Mebenget em
uma caçada, descobre o buraco do tatu, considerado o
animal mais antigo do universo. É cavando dia e noite, até
encontrá-lo que o ancestral fura o teto do Céu, abrindo
caminho para o novo mundo.
Mas como este índio não possui poder de decisão,
apressa-se em informar aos caciques das aldeias a recente
descoberta. Os dois chefes, cada um representando metade
da humanidade, deliberam sobre o problema vital, na casa dos homens, decidindo se
devem permanecer no mundo antigo ou mudar-se para o novo e
como efetivar a mudança.
Enfim prevalece o
conselho de um homem da classe dominante: "vamos
fazer uma corda, forte como a corda de nossos arcos".
Desta forma,
torna-se unânime a decisão dos caciques e, com isso, a
da própria comunidade.
O fato da corda ter
saído curta demais para alcançar a Terra, obrigando os
homens a voltarem para cima e tratarem de encompridá-la,
é significativo das dificuldades e da grandeza de tal façanha
universal, inaugurando uma nova forma de vida.
Quando a corda
possui o comprimento necessário, um homem da classe
Mebenget, herói valente dos tempos primitivos, é o
primeiro a descer lá para baixo, onde amarra a corda em
um tronco de árvore. A ele é que se deve a posse do
mundo novo. Contudo, nem todos têm coragem de descer pela
corda, alguns hesitam por temerem alturas. Eles devem então,
permanecer lá em cima, pois o novo mundo seria apenas dos
mais fortes. É neste momento, que aparece um menino
estranho que corta a corda. Nesta passagem da estória, a
grande maioria dos indígenas pensa em um menino
neo-brasileiro, um menino cristão. Portanto, naquele mundo
novo já existiam estrangeiros. E, desde o início, são
eles os culpados da cisão e do fato de nem todos os índios
terem ingressado no mundo novo. O estrangeiro ruim existe,
portanto, desde os primórdios da história indígena e,
no seu desenrolar, ele é o causador das desgraças. E é
também nas eras primitivas que nascem o ódio e a
profunda desconfiança do estrangeiro.
Os Caiapós são famosos pela violência com
que tratam os invasores de suas terras. Na década de 70,
eles mataram oito garimpeiros, cortaram suas cabeças e as
penduraram em árvores próximas de uma estrada, onde
foram encontradas pela polícia do Pará.
A atitude do Caiapó frente a todo elemento
estranho é marcada por profunda desconfiança, mas esta
reação é provocada por experiências amargas, sofridas
no passado, assim como nos dias de hoje.
Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto

Bibliografia:
Mito e Vida
dos índios Caiapós - Anton Lukesh; Editora da
Universidade de São Paulo; pp. 9-11

-"Eu
não gosto nem de garimpeiro e nem de madeireiro porque
eles estragam a água, a terra e a floresta. Depois que
estragam tudo eles vão embora e deixam para nós e nossas
famílias somente buracos e doenças", declara o
cacique Caiapó Kerangré Xicrin.
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