No ciclo irlandês de Leinster descobrimos a lenda da Deusa
Corça. O contexto é bastante recente, posto que o Ciclo de Leinster, ou de Finn,
que recebe o nome também de Ciclo Ossianico, é o mais tardio dos conjuntos
mítico-fadados que constituem a literatura gaélica. O Ciclo sobreviveu de tal
forma que conhecemos a totalidade de certas lendas graças as narrações orais
recolhidas nos séculos XVIII e XIX.
O NASCIMENTO DE
OISIN (Irlanda):

Finn é o rei dos Fianna, e seus homens
saem a caça. Vêem uma corça e a perseguem, porém nenhum caçador ou cão consegue
alcançá-la. Só Finn, acompanhado de seus cães, de nomes Bran e Sceolan, "que tem
espírito humano", continuam em seu encalço. A corça tomba na relva, e os cães,
em lugar de mostrarem-se agressivos, brincam com ela e a lambem o corpo.
Maravilhado, Finn leva a corça para sua
residência e, à noite, vê aparecer uma linda mulher que diz chamar-se Sadbh, e
ser a corça que ele havia estado caçando durante todo o dia. Adquiriu forma de
uma corça por causa da magia do druida Fir Doirch, cujas insinuações ela havia
rechaçado. Um servo do druida lhe havia explicado que, se conseguisse entrar na
fortaleza dos Fianna, o druida não teria nenhum poder sobre ela.

Finn se apaixona por Sadbh e os unem-se
num amor perfeito. Não demorou muito para Sadbh engravidar.
Um dia em que Finn se ausenta, o druida
Fir Doirch assume seu aspecto e faz Sadbh sair da fortaleza. O druida consegue
então transformá-la novamente em corça. Sadbh intenta regressar à fortaleza,
porém os cães do druida a impedem e a conduzem para o bosque.
Ao saber do acontecimento Finn adoece de
dor e, durante sete anos, recorre toda a Irlanda com seus cães em busca da
corça.
Um
dia, seus cães se detêm perto de uma criança, e lhe prodigam gestos de amizade.
Finn se surpreende ante a semelhança da criança com Sadbh. O leva consigo
e o educa.

Quando consegue falar, revela que foi
criado por uma corça, e que ela foi transformada nesse animal por um homem negro
que a havia tocado com uma varinha. Finn conclui que o menino é filho de Sadbh
com ele e lhe dá o nome de Oisin, que quer dizer, "Pequena Corça". (Roger
Chauviré, Contes ossianiques, Paris: 1949, pp. 102-106).
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Toda a narração da história está
centrada no sucesso do nascimento de Oisin e pelo feito de ter uma mãe
transformada em corça que, na verdade é uma fada do Outro Mundo. Oisin será
poeta e cronista, o Inspirado pela divindade, e quando morrer, não será uma
verdadeira morte: a curiosa recopilação feita no século XII das diferentes
lendas ossianicas, o "Acallam na Senorach" ("Colóquio dos Anciões"), explica,
como Oisin se reuniu com sua mãe no universo maravilhoso de Tuatha De Danann.
Quanto a Finn, o marido
de Sadbh, cujo nome significa "Homem Branco e Bonito", foi o último e maior
chefe dos Fianna. Era filho Cumhal, que havia sido chefe dos Fianna da Irlanda e
foi morto pelas mãos dos filhos de Morna, que disputava a chefatura. A mãe de
Finn era Muirne, neta de Nuada dos Tuatha de Danann e de Ethlinn, mãe de Lugh.
Depois que mataram a
Cumhal, a mãe de Finn o mandou para longe, aos cuidados de uma druidesa, pois os
filhos de Morna também queriam matá-lo. Recebeu então, educação, tornou-se poeta
e adquiriu habilidades mágicas. Enquanto recebia instrução do poeta Finegas,
provou acidentalmente o salmão do conhecimento e obteve seu dente mágico, e
bebeu um gole da água do poço da lua, que lhe deu o poder da profecia. Por fim,
completou seu aprendizado no dia de Samhain (31 de outubro ou 1 de novembro),
dia das festas dos mortos, e dirigiu-se para o palácio do Rei Supremo em
Teamhair (Tara). O Rei o reconheceu por ser muito parecido com seu pai (seu
amigo) e foi admitido entre os Fiannas.
O relato também, nos
conduz ao campo da investigação com referência à Deusa Corça e seus pontos em
comum com a antiga Deusa Mãe dos Deuses e com a Deusa grega Ártemis, que os
romanos assimilaram como Deusa Diana. Na iconografia, Ártemis se apresenta com
uma corça e é considerada como a "Caçadora Divina" que protege todos os
caçadores. Nessa representação simbólica, é provável, que muito antes de se
preocupar com os caçadores, ela foi protetora dos animais selvagens e das corças
em particular, conceito surgido de uma analogia mais primitiva da própria Deusa
que era um animal selvagem, era uma corça.
A estranheza entretanto,
está no fato de Ártemis ser Caçadora, enquanto que Sadbh gaélica é a presa da
caça, mas fomos obrigados a refletir sobre o assunto e as conclusões são
bastante esclarecedoras.
Ártemis permaneceu nas
lendas literárias da Antigüidade Clássica como imagem fixa da antiga Deusa, tal
como ela era na época de todo o seu poderio, no seio de uma sociedade
ginecocrática. Na tradição oral celta e, portanto, um período bem posterior, a
Deusa já encontra-se em decadência, em conseqüência das novas estruturas das
sociedades paternalistas. As Deusas de outrora, se converteram, primeiro em
heróis femininos e depois, em fadas, agora expostas as perseguições dos
caçadores, ou seja, do homem. Só alguns heróis as seguem protegendo, como Finn,
que não é de todo o herói cultural tão comum nas tradições indo-européias.
Porém, a ordem paternalista representada pelos sacerdotes de qualquer religião,
no nosso caso o druidismo, se esforça para aleijá-las para sempre. Aqui
representada na raiva do druida Fir Doirch, cujo nome, significa "Homem Negro",
que persegue a Sadbh para devolver-lhe a forma de presa.
Entretanto, a
imagem da Deusa está tão profundamente presente no inconsciente dos homens que
reaparece de formas mais ou menos aberrantes. Sadbh até desaparece, porém tem um
filho, Oisin. A "Pequena Corça" é um novo personagem, conforme o ideal
paternalista, porém representa, por sua filiação, o antigo conceito da divindade
feminina.
Igual a Deusa Mãe que se
converte em Deus Pai, igual a Deusa Sol que se converte em Deus Sol, a Deusa
Corça, de maneira natural, se converte em Deus Corça. É célebre essa iconografia
celta, como atestam as numerosas estátuas que representam um homem com corno de
cervo. Inclusive sabemos seu nome, é Cernnunos, o Deus Cornudo.
Toda a história de Sadbh
e de seu filho Oisin, reveste-se de uma importância particular, pois a Deusa
Corça, ou a Deusa da Corça, se refere a imagem mais antiga de Ártemis-Diana, a
Deusa Solar dos povos que precederam os indo-europeus sobre o território da
Europa ocidental.
O que se conclui, é que
muito embora as antigas sociedades paternalistas tenham se esforçado, para
engolir, ocultar e deformar a Deusa, ou ainda, sepultá-la no mais profundo do
inconsciente, ela ainda está aí. Sobrevive triunfante e aparece para perturbar a
sociedade masculina, assentada em bases que se acreditavam inquebráveis. Se
pensavam haver consagrado definitivamente o triunfo de Yavé e de Cristo, porém
por detrás reaparece a perturbadora e desagradável figura de Maria Madalena e da
mãe universal "Virgem Maria".
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BRAN E SCEOLAN (Sua
origem)
Bran e Sceolan eram os cães favoritos de
Finn Mac Cumhal, mas que na verdade, eram seus sobrinhos, filhos de sua irmã
Tuiren.
Segundo o relato irlandês, foram assim que nasceram, filhos da irmã de Finn com
Iollan Eachtach, um homem de Ulster. Iollan apaixonou-se por Tuiren quando a
conheceu através de Finn. Entretanto, Iollan já tinha uma namorada entre os
Sidhe, e era Uchtdealb do Peito Belo, e quando essa soube que Iollan havia se
casado ficou terrivelmente furiosa. Então tomou o aspecto de mensageira de Finn
e se foi a Ulster à casa de Tuiren, a quem disse:
-"Finn te envia todos seus bons desejos
e te deseja uma vida longa e te pedes para que prepares um grande banquete, e
que deves vir comigo, pois te direi como deves fazer."
Tuiren a seguiu e quando já estavam fora
da vista dos demais, Uchtdealb a transformou em uma linda cachorrinha, levando-a
em seguida, para a casa de Fergus Fionnliath, rei da baía de Gallimh. Elegeu a
Fergus porque esse odiava os cães mais do que qualquer coisa no mundo e, ainda
na forma de mensageira de Finn, levou a cachorrinha a Fergus e lhe disse:
-"Finn deseja que cuides e te deixa a
cargo essa cachorrinha que está prenha; não deixe que participe de caçadas até
que tenha parido" e deixou o cão com ele.
Fergus estranhou o pedido de Finn, pois
todos sabiam o quanto ele odiava os cães. Porém, em respeito a Finn, cumpriu seu
encargo o melhor possível. Porém a cachorrinha era tão bela e tão esperta, que
acabou gostando muito dela.
Enquanto isso, se supunha que Tuiren havia desaparecido e
Finn chamou Iollan para explicar o que havia acontecido. Porém, Iollan teve que
dizer que ela havia partido e não podia encontrá-la, mas pediu um tempo para
buscá-la. Assim, pediu ajuda a Uchtdealb e essa consentiu em libertar Tuiren se
Iollan se tornasse seu amante para sempre. Foi então a casa de Fergus e livrou
Tuiren de sua forma de cão.
Mais tarde, Finn casou novamente sua irmã
com Lugaidh Lumha. Porém, os cachorros que já haviam nascido, permaneceram nessa
forma e Finn acabou ficando com eles como grandes aliados.
Essa é uma lenda que
descreve o nascimento de cães feéricos, que geralmente aparecem domesticados
pelas fadas, como vigilantes ou como cães de caça. Na nossa narrativa, Bran e
Sceolan, são cães encantados, ou seja, são na verdade, os sobrinhos de Finn, que
travam uma boa amizade com Sadbh, enquanto essa encontra-se transformada em
corça. Realmente, só eles tinham, nesse ocasião, a consciência do que se
escondia por detrás do animal.
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SENHORA DAS COISAS
SELVAGENS

Sadbh é a Deusa da Caça
e a Senhora de todos as coisas selvagens. Todas as mulheres que possuem esse
arquétipo muito ativo, são independentes, têm pensamento próprio e são
emancipadas.
A Deusa da Caça pode levar você a ter uma
vida casta, embora isso não queira dizer que não possa ter relacionamentos
ocasionais. Talvez tenda a viver isolada, evitando relacionamentos mais sérios,
preferindo mais a amizade dos homens, mesmo quando algum deles se torne seu
amante.
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RITUAL
Recorra à Sadbh quando
estiver em busca de uma atitude mais independente em relação ao amor, quando
precisar de ajuda para ser menos possessiva com a pessoa amada ou para superar a
sensação de que a vida só vale a pena quando se está vivendo um amor.
Essa Deusa pode lhe
proporcionar a força para escolher entre ter um amor ou viver sozinha. Sua
influência também lhe inspirará uma atitude mais livre em relação a sua carreira
e aos seus amigos.
Você deve aguardar o primeiro dia de Lua
Nova e saia para passear junto à natureza. Ao caminhar tente manter o pensamento
firme na Deusa Sadbh e relembre mentalmente toda a sua história. Sinta então sua
presença e peça para ela lhe guiar. Procure cinco folhas, três galhos e algumas
penas de pássaros soltas pelo chão. Esses objetos devem ser procurados com
grande determinação, pois irão se tornar objetos de poder em prol da coragem e
da confiança de viver segundo sua própria perspectiva.
Ao voltar para casa,
monte um altar em um local de sua casa que possua um significado especial.
Coloque uma vela verde em um castiçal, e os galhos, as penas e as folhas em um
prato prateado. Acrescente uma pedra que representa a Deusa. Depois fale em voz
alta:
Sadbh, Deusa da Corça,
Deusa da Lua Nova,
Dê-me seu poder,
A cada amanhecer.
Toda vez que sair de
casa para trabalhar ou para se divertir, pare em frente ao altar, repetindo bem
alto as palavras mágicas anteriores.
Texto pesquisado e
desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO
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