DILÚVIO DOS TUPINAMBÁS

São inúmeras as variantes do Dilúvio colhidas no seio de várias tribos indígenas. Algumas se destacam pela série de incidentes de que se enche a narrativa, tecidos todos eles com proezas arriscadas. Entre estas versões se encontram as dos Tupinambás.

O Dilúvio dos Tupinambás é um episódio que inicia-se com a desavença entre dois irmãos, dotados de índoles opostas.

TAMENDONARE, brando e afável, bom pai de família, voltado inteiramente para mulher e os filhos.

ARICONTE, ao contrário, era todo valentia e guerras. Seu maior desejo era subjugar com seus poder os outros homens. Certo dia, vindo ele de uma batalha, trouxe o braço de um inimigo e o mostrou ao irmão com grande arrogância e orgulho, increpando-lhe  a fraqueza e a timidez.

Tamendonare, ouvindo-o falar assim, condenou-lhe dizendo:

- Pois se és tão forte como dizes, deverias trazer o inimigo por inteiro!

Ariconte indignado, atirou o troféu sobre a cabana do irmão. Tamendonare irritado, bateu com os dois pés no solo, fazendo nascer um jato d'água tão forte que logo inundou toda a Terra. Entretanto, ambos os irmãos se salvaram com suas mulheres e repovoaram o mundo.

Daí os tupinambás passaram a acreditar que descendiam de Tamendonare e Ariconte.

 

 

Como você vê, os indígenas possuem a seu modo, a tradição do dilúvio. A versão que mais se assemelha ao episódio bíblico é a história de Tamandaré. Segundo notícias que nos foram passadas por historiadores, quando as águas começaram a subir e envolver a Terra, todos os homens da tribo procuram o cume dos montes no desespero de salvar-se. Somente um se deixou ficar na planície, em companhia da mulher: Tamandaré. Considerado forte entre os fortes, ele fora advertido por Tupã da iminência do dilúvio. Ele dizia aos fugitivos que se conservassem cá em baixo, mas ninguém lhe deu ouvidos.

 

Tamandaré então, tomou a mulher nos braços e subiu com ela ao colmo de uma palmeira. As águas começaram a crescer desmedidamente, cobrindo tudo. Os peixes nadavam entre as folhagens e os tigres boiavam inanimados. A Terra desapareceu. As montanhas desapareceram. Só se vislumbrava água e flutuando á tona, o colmo da palmeira que sustentava Tamandaré e sua mulher.

Quando cessou a inundação, eles desceram e povoaram novamente toda a Terra.

 

 

DILÚVIO UNIVERSAL E SEU SIMBOLISMO

 

Segundo Carl Jung a repetição de mitos, de ritos, de lendas, etc., em diferentes civilizações prova que o substrato psíquico dos homens é comum a todos eles em todas as épocas, e sobrevive nas camadas mais íntimas de nosso inconsciente.

 

A água é considerada berço e origem de todas as formas de vida e ela está onde estiver a vida. Entretanto, ela possui natureza dualista, como o fogo. É útero e sepultura, conservação e destruição, purificação e contaminação. Essa sua ambivalência, é a característica da situação original do inconsciente que a consciência não conseguiu dissecar em antíteses. O homem pré-histórico vivenciou a paradoxal simultaneidade de bom e mau, de amistoso e terrível, como qualidades atribuídas à divindade como unidade.

 

O Dilúvio só acontece quando o mundo se degenera e há a necessidade de provocar-se o caos inicial, para a partir daí então, transforma-se em algo melhor. O simbolismo do Dilúvio tem analogia com o batismo. A água do batismo sugere, de forma especial, as águas do nascimento e o início de uma nova vida.

 

Para os protagonistas da nossa lenda, TAMENDONARE e ARICONTE, o Dilúvio pode ser considerado como um processo de resgate de alguns valores, mas para tanto, é necessário por um determinado tempo (uma iniciação e tomada de consciência), passar por algum tipo de provação. O Dilúvio, portanto, têm aqui, o simbolismo da busca do significado da vida através da transformação.

 

A lenda nos ensina que a tomada de consciência da vida é de dualidade e de conflito, mas escolher o caminho da própria individuação é a única solução adulta, o único caminho para vivermos a nossa vida ao máximo e, ao mesmo tempo, servir à um mistério maior. Se dermos um passo atrás e contemplarmos a confusão caótica da história humana, podemos visualizar muitas perdas, muitas regressões, muitos caminhos errados, mas a ânsia de acertar pode ser nitidamente constatada, através do tempo e da vida individual. A metáfora do Dilúvio Tupinambá é uma maneira de localizar a jornada da alma quando todas as outras bússolas desaparecem de vista.

 

"Cada pessoa é um novo experimento da vida em suas incontáveis inconstâncias de humor, e uma tentativa de uma nova solução." Jung.

 

 

Texto pesquisado e desenvolvido por

 

Rosane Volpatto