TRIBOS INDÍGENAS


Além das
cabeceiras do Paraguai que brotam nos célebres
pantanais mato-grossenses, o terreno se ergue
como uma muralha natural, sustentando os campos,
viviam há muito tempo atrás os Pareci.
A estes
campos chegou o bandeirante Antonio Pires dos
Campos em 1723 o qual designou a nação que
visitava pelo nome pomposo de "Reino dos
Pareci".
Mas, Pires
de Campos, como todo o bandeirante, tendo vindo
atrás de fortuna, resolveu levar a guerra à
nação que maravilhada o acolhera.
Os índios
foram aprisionados e tangidos para as minas,
onde morreram de doenças e de saudades dos
campos agrestes.
Nas pegadas
desse primeiro bandeirante outros surgiram,
levando a desgraça, a luta e a escravidão às
lindas paragens dos Pareci.
Hodiernamente os Pareci vivem
em um território de matas, campos e
cerrados, no município de Tangará da Serra,
região do médio norte do Mato Grosso e na
Chapada dos Pareci, uma área de estratégica
localização geográfica, assentada nos divisores
das Bacias do Rio do Prata e do Amazonas.
Sua
população está estimada em mil e trezentas
pessoas, dividas em três subgrupos: Os Kaxíniti,
na parte oriental; os Waimaré na parte central,
e os Kozarini, na parte ocidental.
Os dois primeiros tiveram
suas terras invadidas pelos extratores de
borracha e os recrutados como trabalhadores da
comissão Rondon; eles é que foram transferidos
para o posto Umutina e migraram para Cuiabá com
a decadência das linhas telegráficas. Os
Kozarinis também conhecidos como cabixis,
mantiveram-se relativamente afastados, começando
a serem trazidos a um contato mais próximo com
os brancos a partir da instalação da missão
jesuítica. Hoje eles constituem 80% da população
pareci. A partir do século XIX, a população
regional estendeu o termo cabixi aos nambiquaras.
Os
Parecis falam a língua do tronco lingüístico Aruak e se
autodenominam Haliti, que quer dizer povos
humanos.

Esses
indígenas, de acordo com Lima Figueiredo,
acreditavam em um Deus todo poderoso, formador
do mundo, chamado Enorê, e adoram um gavião, que
consideravam sagrado, denominado "Utiariti".
LENDA DA
GÊNESIS DO HOMEM (Segundo Lima Figueiredo)
O Sucuruiná
afluente do rio do Sangue, é um dos tributários
do Juruena que com o Teles Pires formam o
majestoso Tapajós de águas azuladas. Em um ponto
do rio citado existe um lugar conhecido como
Ponte de Pedras. Foi o próprio rio que exercendo
um trabalho erosivo cavou na rocha um arco que,
à guisa de ponte, abarca as duas margens do
curso da água.
Pois foi
contemplando esse cenário, que o Artista
Sublime, Enorê, inspirou-se para criar o homem.
A lenda nos
conta que Enorê cortou um grosso tronco de
árvore, esculpindo nele as primeiras feições
humanas. Depois, plantou-o no solo da floresta,
metamorfoseando-o em homem com o auxílio de uma
varinha com a qual ele batia no lenho.
Para que o
homem não vivesse triste, usando o mesmo
processo, Enorê fez o sublime ser que todos
adoram seja qual for a raça: a mulher.
Deste casal
inicial nasceram dois casais gêmeos: Zaloiá,
homem, Holôlailê, mulher: Camaihorê e Uhainariaú.
Certo dia,
Enorê chamou o primogênito Zaloiá, e, num feixe
luminoso projetado no céu, ele fez exibir uma
casa de pedra, uma espingarda, um boi e um
cavalo. Apontou para outra direção e
mostrou-lhe: um vastíssimo campo onde o veado e
a ema experimentavam a velocidade de suas
pernas, uma casinha de palha, o arco e a flecha.
Dirigindo-se
ao filho do Adão indígena indagou:
-"Qual
preferes? A casa de pedra ou a de palha?"
Zaloiá
preferiu viver no prado, morando na casa de
palha, onde descansaria das fadigas adquiridas
na caça da onça e do veado. Achou a espingarda
muito pesada e não aceitou o boi e o cavalo,
porque sujarem muito o terreiro.
Tudo que
Zaloiá rejeitou, Enorê deu a Camaihorê seu
irmão, acrescentando:
-"Tu serás
branco".
Foi através
da simplicidade desta lenda que os indígenas
parecis explicaram a formação das raças.

MITO DE
ORIGEM (colhido
pelo antropólogo alemão Max Schmidt)
Este mito conta que
os parecis surgiram do interior da terra,
"brotando pelas fendas e pelos buracos das
rochas existentes no rio Sakuriu winã,
que os imóti, os não-índios, os
“civilizados” chamam de Ponte de Pedra ou
Sucuruína, um tributário do Arinos.
"Ao sair das
pedras, os halíti descobriram o mundo e
todos os seus rios, seus pássaros, as árvores,
que existiam mas ainda não tinham nome.
Wazáre,
o mais velho dos irmãos, orientou a saída dos
outros, instalando cada um nos seus próprios
territórios: a cabeceira do Três Jacus, por
exemplo, foi chamada de
Malate winã
(malate:
jacucaca) e foi dada ao seu irmão
Zakálo,
que casado com a mesma mulher de
Zalóya
tornaram-se os ancestrais dos
Wáimare.
A cabeceira da Lagoa Rasa (Natukwá)
foi chamada de
Kalana winã (kalana:
buritirana) e foi também entregue para
Zakálo.
A cabeceira da Varzearia, chamada
Kanóti winã,
foi dada ao seu irmão
Zalóya.
A cabeceira do
Aihanazã, o rio Água Verde, ficou
também para
Zakálo.
Do
rio do Sangue,
Zutiahali winã,
até a cabeceira da
Wazolahatiá
(Wazuliatiá),
o córrego Cágado,
Wazáre
destinou ao seu irmão
Zawlore,
ancestral do sub-grupo
Kaxíniti,
assim comoAhozá
winã
(cabeceira do lobo) e
Tolomare sewe
(cabeceira do pica-pau de cabeça vermelha), no
rio Parecis (Kawi
inazá),
afluente do Arinos. É o limite mítico do
território dos descendentes do ancestral
Kaxíniti.
A
territorialidade
halíti,
orientada pelo mito de origem, é conhecida pelos
imóti
desde o século XVIII, quando os bandeirantes
preadores atingiram o chamado “Reino dos Parecis”,
em busca de ouro e de escravos."

MALOCAS
Os Parecis
construíam suas malocas, plantando quatro varas
flexíveis do chão. Alguns homens subiam nas
mesmas, fazendo com que suas extremidades
convergissem para um ponto onde erram fortemente
amarradas. Paralelamente ao solo eram fixadas
umas travessas onde os índios colocavam molhos
de capim ou de folhas de palmeira munidos de uma
forquilha.
No interior
da taba eram armadas redes, umas por cima das
outras. Na mais alta ficava o dono da casa: o
Amure.
Havia,
espalhados pela casa, vários tocos que serviam
de bancos. Na falta deles, as pessoas ficavam de
cócoras.
RITUAL DE
CASAMENTO
O Chefe
espiritual da tribo (utiariti) era quem
realizava os casamentos.
Foi Rondon
quem descreveu de um modo muito atraente esta
cerimônia que unia para sempre os nubentes
indígenas:
Diante de
todos e sentado ao lado do Amure, o Utiariti,
dirigia-se primeiramente à noiva:
-"Viró
icaianênê aukitaá?" (Quer você casar-se?)
O Utiariti
levanta e a noiva responde:
-"Suanian?"
(Como não?)
O Chefe
espiritual acrescenta:
-"Uaiê enatá.
Icaiani etatiê ena môcôcê". (Muito bem. Tenha um
filho. Que o primeiro seja homem).
Esse voto
era feito para que sendo o primeiro filho homem,
sirva de arrimo às irmãs que vierem depois.
Em seguida,
dirige-se ao noivo:
-"Vitiali,
içô icaianetiô avá halalá kisitinê Iáne
anáecaená." (Venha cá. Você está casado. Você
não pode deixar a sua mulher. Você vai levá-la).
E acrescenta
esta pergunta:
-"Suana
môcôcê itiani aukitá?" (Quantos filhos
você quer?)
Respondia o
noivo:
-"Iolacaená
naukitá". (Quero quatro)
O Utiariti
dizia:
"Valêenatá"
(Está bem!)
Em seguida
abraça os noivos dizendo:
-"Zotocaquá-haná".
(Façam vocês o mesmo)
Depois os
noivos se abraçam e o chefe despede-se com estas
palavras:
-"Zicáno-hie"
(Dêem o braço)
A cerimônia
terminava na casa do noivo, onde se realizava
uma grande festa, a "cautonená".

FUNERAIS
Quando
morria um guerreiro, toda a tribo lamentava seu
falecimento, chorando em altas vozes. Uma cova
circular era aberta onde o cadáver era
introduzido, ficando na posição de cócoras. O
seu arco e suas flechas eram quebradas e com ele
enterrados.
Por cima da
sepultura colocavam um monte de terra que
serviria de testemunha na procura do túmulo.
ALIMENTAÇÃO
O principal
alimento era a caça. O caçador subia em uma
árvore e perscruta pelos arredores o animal que
desejava abater. Localizando-o descia rápido e
sorrateiramente tentava abatê-lo a uma pequena
distância.
Em cada
maloca era organizado um moquem que era
supervisionado pelo amure.
Além da caça
e pesca, os parecis plantavam a mandioca brava,
o milho e fabricavam com o ananás um
vinho: o ôlôniti.

ÍNDIOS DE
RONDON

Os Parecis serviram como guias nos seringais da
Comissão Rondon, que estava encarregada
de instalar a linha
telegráfica entre Cuiabá e Porto Velho.
Por serem
dóceis e pacíficos, posteriormente, acabaram
sendo recrutados como trabalhadores braçais das
linhas telegráficas, que foi concluída em 1915,
assim como, para auxiliar na construção estrada
de ferro Madeira-Mamoré, terminada em 1912.
Obras de pouca utilidade, devido à crise da
exportação da borracha e a invenção da
rádio-telegrafia.
Foi Rondon
quem fundou a primeira instituição escolar
naquela região, o Internato Utiariti, organizado
conforme princípios positivistas, que tinha por
objetivo, entre outros, treinar os índios para o
convívio com a sociedade civilizada.
Naquela
época, os índios, além de receber o ensino das
primeiras letras, também tinham noções de
higiene, disciplina e cumprimento de horários,
de um ponto de vista ocidental, além da
aprendizagem da língua portuguesa e, ainda,
treinamento de habilidades específicas para o
trabalho de manutenção das linhas telegráficas.
Foi muito
importante a convivência do Mal. Rondon com os
índios parecis, pois desta convivência surgiram
relatos escritos sobre a vida, costumes e fatos
históricos ocorridos nessa região.
Rondon, para
os índios, foi considerado um poderoso "amure" e
chegou a ser associado
ao ancestral
mítico, ou seja, seria ele, uma nova
aparição
Wazáre que chegou para recriava o
mundo indígena.
No final dos
anos oitenta (1980), os antigos parecis das
linhas telegráficas, seus filhos e netos somavam
mais de 250 pessoas em Cuiabá, lugar para onde
aqueles tinham migrado.
Os Parecis sofrem mais tarde, com a abertura da
BR 364, que atravessou seu território, trazendo
doenças e grandes perdas de suas terras, cultura
e valores étnicos.

XIKUNAHITY, JOGO DAS CABEÇADAS

O Xikunahity, também conhecido como futebol
de cabeça, é a modalidade mais praticada pelos
Pareci nos Jogos Indígenas.
Jogado com no mínimo oito homens, o
Xikunahity se parece com o futebol,
mas com uma grande diferença: é jogado com a cabeça. Os
índios devem cabecear a bola para o campo
adversário, de modo que ela não caia. Quando o
adversário não rebate a bola, a equipe oponente
faz um ponto.
Xikunahity, segundo a lenda pareci, é um jogo
em comemoração à festa de Wazáre, entidade
mítica de sua cultura. Depois de Wazáre cumprir
sua missão de distribuir os pareci em sua
chapada, ele fez uma grande festa de
confraternização antes de voltar para seu mundo.
A etnia Pareci
hoje, é formada por 20 aldeias, distribuídas em
diferentes áreas. Em
Mato Grosso, eles plantam arroz, milho e batata
doce para a subsistência, e também comercializam
seu artesanato em cerâmica.
Suas terras são alvo de cobiça e objetos de
tentadoras propostas de arrendamento, em virtude
da soja.
A questão
indígena é um tema que a cada dia tem se
revestido de uma maior importância.
Hoje, o
grande desafio está na construção de escolas
diferenciadas que resgatem a cultura ancestral
indígena, mas que ao mesmo tempo, também seja
adquirido o domínio da língua nacional,
conhecimento necessário para que possam
estabelecer relações que conduzam à manutenção
de suas identidades.
Texto
pesquisado e desenvolvido por
ROSANE
VOLPATTO
Outros nomes:
Pareci, Haliti
Localização:
Município de Tangará da Serra, Chapada dos
Parecis – Mato Grosso
População: Cerca
de 1.300 pessoas
Língua: Aruák
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