O CULTO DOS ANTEPASSADOS TUPINAMBÁ
Os ritos funerários dos Tupinambás possuíam uma finalidade bem clara: restabelecer o equilíbrio do sistema de relações sociais por meio da exclusão do membro falecido e da atribuição de um novo "status" ao morto, na sociedade dos ancestrais.
O Tupinambá distinguia no homem duas substâncias essenciais, uma eterna e outra transitória. A substância eterna é a alma. Enquanto está no corpo, era chamada "a n". Neste estado terminava, em regra, o período de vida supraterrena, dos Tupinambás e então iniciavam a jornada final, em busca do "Guajupiá". A distinção apontada, não implicava na idéia de desmaterialização absoluta. Tão pouco suprimia todas as ligações entre a alma e os restos mortais ou a desvencilhava das primitivas necessidades. Em virtude disso, os sobreviventes contraíam uma série de obrigações para com os mortos. Estas obrigações recebiam um sério incremento, graças a outro item da cultura. Os Tupi acreditavam que "seus defuntos andam na outra vida feridos, despedaçados, ou de qualquer maneira que acabam nesta". O massacre ritual de crânios, fosse de seres vivos ou de esqueletos, devia pois ser seriamente punido.
Quanto aos ritos funerários, as obrigações dos vivos circunscreviam-se ao pranteamento e panegírico do morto (realizado pelo cacique), que consistia na observância de manifestação de pesar, tais como: crescimento dos cabelos, no homem e corte dos mesmos na mulher, durante uma lua, em geral por parte dos parentes. Após este período, a esposa, a irmã e o irmão do morto, ofereciam em caráter pessoal, cauinagens. Nesta época, as mulheres tingiam-se de preto e os homens tosquiavam-se. Além disso, cabia-lhes a preparação do morto e o seu enterramento. Usavam para tanto, uma técnica de enlaçamento: "ligam-no e amarram-no o morto, com algumas cordas, feitas de algodão ou de casca de certas árvores, de tal modo que, não seja possível ao defunto, retornar ao mundo, coisa, aliás, que muito temiam".
Ofertas alimentares também acompanhavam o morto, assim como seus objetos e armas (rede, arco, flecha, plumas, faca, machado, etc), para que pudesse realizar sua viagem com segurança. Então iniciava-se a etapa mais ambicionada por um Tupinambá: a viagem para o Guajupiá. O espírito alçava vôo para além das montanhas, onde se encontraria com seus antepassados.
Mas nem todos, chegam a Guajupiá, pois este é um local destinado aos eleitos, selecionados entre os homens que realizam certos ideais contidos no padrão básico da personalidade Tupinambá. Os maus, afeminados e os covardes, consumiam-se na danação eterna. Jurupari ou Anhangá atormentavam os que não viviam de acordo com os bons costumes, não tivessem mostrado valor nas guerras ou aprisionado numerosos inimigos, sacrificando-os ritualmente.
A comunhão com os antepassados, restabelecia-se depois da morte. Os tupinambá, acreditavam nesta possibilidade e tal convicção era manifestada nas cerimônias de lamentações, quando diziam: "nunca mais nos veremos, senão após a morte, junto aos nossos amigos, na região onde já os viram os pajés, segundo nos contaram". Ao morto era incumbida a missão de levar "muitas lembranças a seus pais, avós e amigos, que dançavam nas montanhas além dos Andes, onde julgavam ir todos depois de mortos".
Estes dados nos fazem visualizar claramente que os antepassados desempenhavam um papel importante na vida dos vivos. Não se tem notícia certa a respeito de cultos domésticos entre os Tupinambá. Em algumas ocasiões, eles acreditavam que um espírito podia materializar-se, encarnando-se num de seus antepassados. Em outras, eles podiam se comunicar com os vivos através de uma ave noturna, o Matintaperera. Em vista disso, a ave tornou-se tabu: "muito se penalizariam se alguém lhe fizesse mal e, aí de quem a matasse." Quando o Matintaperera cantava à noita, pensavam que os parentes e amigos os animavam para a guerra. "Crêem firmemente que observando o que lhe indica o argúrio não só vencerão os inimigos nesta terra, mas ainda, depois da morte, o que é mais importante, irão dançar com seus ancestrais além das montanhas."
Pode-se afirmar, que boa parte da vida do Tupinambá se restringia na preocupação com seus parentes mortos e a aspiração ao Guajupiá. Em função disto, grande número de mortos foram enterrados dentro da maloca. "Se o finado é pessoa de destaque, sepultam-o na própria casa, envolvido em sua rede, juntamente os seus colares, plumas e outros objetos de uso pessoal." E, cuidavam da sepultura zelosamente, abrigando-a com coberturas de pindoba quando mudavam para outra região.
Os mortos governavam os vivos num sentido dramático. O estado de guerra quase que permanente, se mantinha em razão da necessidade irreprimível e inalienável de vingar a morte dos parentes e amigos. Os símbolos tribais que exprimiam esta necessidade vinculavam-se às próprias pessoas dos vivos, sendo adquiridos em cerimônias dolorosas (renomação), no decorrer de ritos de morte e renascimento.
Os antepassados também impregnavam a vivência de seus descendentes de outros modos. Assim, a viúva e seus filhos continuavam a viver, muitas vezes, sob o mesmo teto do falecido. A conservação dos túmulos e a lamentação obrigatória dos mortos a ela ligada punham constantemente os parentes consangüíneos e afins em relação com os antepassados. O perigo do massacre dos crânios dos esqueletos obrigava-os a manter vigilância sobre os seus túmulos.
De acordo com o método tribal de explicação da genealogia, a cultura Tupinambá atribuía pouca importância a mulher. Os artigos bibliográficos compulsados, nos fazem concluir que excepcionalmente uma mulher podia alcançar o Guajupiá. Esta cultura acentuava o papel dos parentes masculinos da linha paterna, subestimando as outras espécies de relações de parentesco.
Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO