O indígena
compreendia a ordem das coisas a partir das transformações que lhe eram
ensinadas pela mitologia. Esta descreve as mudanças ocorrida na Era
Primitiva e as proezas sobrenaturais que moldaram o mundo tal qual ele é
hoje. Ela nos aponta também os seres superiores, protagonistas das
mudanças do mundo primitivo para o hodierno, alguns dos quais são
poderosos e se encontram ativos no momento presente.
Estabelece-se a ligação com estes seres mediante a lembrança, a meditação e
os ritos. Toda a comunicação deste saber, acaba se constituindo em um portal
do tempo que une a Era Sagrada Primitiva com a Atualidade. Sendo assim, o
ato de contar histórias, constitui um ato de culto. Mas para contar as
histórias, o índio reputa indispensavelmente um ambiente de respeito. A
respeitosa tradição dos ancestrais só pode ser transmitida em atitude de
profunda contemplação, através de ritos e cerimoniais. Através destes, o
indígena inseri na sua própria vida elementos naturais e sobrenaturais.
Portanto, tais eventos encerram o patrimônio religioso do indígena,
simbolizam através de representações dramáticas, a evolução da ordem do
mundo, do qual nos fala a mitologia.
DANÇA DOS MACACOS ENTRE OS CAIAPÓS (Carnaval Indígena)
Com
naturalidade, o sagrado, o transcendente, o seu patrimônio de fé, integram o
dia-a-dia do indígena, fazem parte das "coisas de índio" e estão presentes
em seus rituais e expressados em suas danças sagradas.
A
festividade da Dança dos Macacos reúnem todas estas qualidades além de ser
um palco de pura diversão, um verdadeiro carnaval indígena.
Para o evento eram confeccionadas máscaras de animais tais como: macaco,
tamanduá, bugio e jaguar. Elas se denominavam de "karon", ou seja, alma e
espírito.
A
máscara do macaco é larga, retangular, de palha, enfiada na cabeça, que
torna quem a veste irreconhecível, deixando apenas duas aberturas para olhar
para fora. Nos cantos superiores dela há duas borlas pintadas de vermelho
com urucum, imitando orelhas. Em torno dos olhos havia grandes anéis pretos
e vermelhos. O corpo ficava envolto em um manto de palha.

As
máscaras de rosto, possuíam formato retangular, na parte de cima e oval, na
de baixo, e eram pintadas com listras pretas e brancas. Seu manto de palha é
preso por uma espécie de cinto.
A
máscara do tamanduá, em forma de colméia, se alarga para baixo e envolve
todo o corpo. Por cima da cabeça, o cone de palha apresenta um
prolongamento, imitando uma tromba, do qual, presa por um fio é colocada uma
pena vermelha, que representa a língua.
No
centro da roda, os macacos dançavam e os tamanduás executavam movimentos
grotescos, pulos e reverências.
Em
determinada altura da festividade aparecia dois vultos, totalmente cobertos
da cabeça aos pés, usando máscaras ovais no rosto,, representando os peixes.
Sua aparição em cena é quase em câmara lenta, a passos quase imperceptíveis.
Em seguida ficam imóveis, fora da roda dos macacos, para em dado momento se
retirarem. Sua entrada triunfal mas rápida é para recordar que foram os
peixes que ensinaram os índios a arte da dança.
Os
macacos dançam entre as malocas, executando movimentos diversos, mendigam de
porta em porta e depois levam tudo que arrecadaram para a "Casa dos Homens",
onde encerram o cerimonial com um grande banquete.
Esta é uma festa com a participação tanto masculina como feminina, celebrada
nos meses de abril e maio.

Entre os Tariana (alto Amazonas), tribos que habitam as proximidades do rio
Caiari, encontramos as célebres "maracarua", ou seja pele de macaco. São
máscaras em feitio dominó, feitas pela união de várias peles de macaco e
cosidas com cabelos de mulher. Ao contrário das grandes máscaras que
acabavam queimadas no final das cerimônias para propiciar boas colheitas e
apaziguar espíritos, estas máscaras só apareciam nas festas invocatórias de
Iurupari. Supõem-se que cada tribo só possuía dois a três exemplares,
escondidas durante o intervalo entre as grandes festas, juntamente com as
flautas sagradas. As máscaras, nestes casos, eram usadas como um instrumento
de posse, isto é, destinavam-se a captar a força de um animal. Elas
transformavam o corpo do guerreiro que conservava a sua individualidade e,
servindo-se delas como um ser vivo, incorpora um outro ser, o animal mítico
no momento representado e cujo o poder é mobilizado.
A
máscara é um dos meios de se conduzir o sagrado ao êxtase, em função de
reter em si o deus ou o seu espírito. A máscara é a mediadora entre duas
forças: o cativo e o captor. É a relação entre estes dois termos, que variam
caso a caso, assim como sua interpretação difere de tribo para tribo.
A
FESTA DE ARUANÃ (INICIAÇÃO CARAJÁ)
O
jovem carajá ao entrar na puberdade passava a viver na Casa das Máscaras.
Nesta casa ele aprendia a arte plumária e os segredos masculinos que
convergem para os ritos de fertilidade.
A
Festa de Aruanã é uma das mais empolgantes e belas do calendário mágico
religioso dos carajás. É realizada por ocasião do aparecimento da grandiosa
Lua Cheia e é um festival que se prolongava pela noite toda.

Na
Casa das Máscaras, estão disponíveis os adornos necessários para a dança:
camisa de fibra de coqueiro, um saiote de fibras soltas e as máscaras
enfeitadas com penas de arara. Desta casa, os índios dirigiam-se para a
praça da aldeia, aos pares, dançando e rememorando os ritos de todos os
feitos heróicos amorosos e dramáticos do povo carajá.

Nos
rituais de iniciação, a máscara assume um significado um pouco diverso. O
jovem guerreiro iniciado encarna o Grande Espírito que instrui os homens. As
danças mascaradas insuflam no adolescente a persuasão de que ele "morre"na
condição anterior para renascer na sua condição de adulto.
Os
índios carajás viveram à margem direita do rio Araguaia e formaram um grupo
de 7 a 8 mil indivíduos, que viviam em 80 aldeias. Os carajás existentes
hoje, em torno de 70 apenas, que ganham a vida como comerciantes.

VARIAÇÕES DAS MÁSCARAS
As máscaras das danças
sagradas, apresentam variações notáveis. Os Tucanos e Aruaques as
confeccionam de pano, do vegetal tepa. É uma máscara que cobre todo o
corpo.
Existem também, máscaras
feitas de entre-cascas de árvores, que constituem uma só peça,
complementadas por um saiote de fibra, que cobrem os dançarinos da
cabeça aos pés. Geralmente elas impõe uma fisionomia assustadora e não
possuem orifícios para os olhos, já que é possível enxergar entre as
fibras.
As máscaras costumam ser
pintadas de preto, vermelho e amarelo. As tintas eram reparadas com a
fuligem do fundo das panelas, extrato de urucum ou carajuru, duas frutas
do mato e argila terrosa. Em média estas máscaras levavam de 10 a 12
dias para serem preparadas.

As máscaras, se revestem de
poderes mágicos, protegendo aqueles que a usam e podem também ser
deliberadamente assustadoras, ajudando alguns membros de uma sociedade a
impor sua vontade. Neste caso, a máscara visa dominar e controlar o
mundo invisível. Os etnólogos já associam a utilização da máscara aos
métodos práticos de acesso à vida mítica. |
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As
máscaras sempre são usadas como agentes ritualísticas de transformação. Os
xamãs foram os primeiros conhecedores desta realidade interna. Os ritos e
cerimoniais que desempenham com maestria são úteis não tão somente por
influenciar a natureza, mas também por que curam enfermidades.
As
máscaras fazem renascer mitos e preenchem uma função social. Nas cerimônias
são cosmogonias que regeneram o tempo e o espaço."Elas subtraem o homem e os
valores de que ele é depositário e toca todas as coisas no tempo histórico.
São ainda, espetáculos catárticos, durante os quais o homem toma consciência
do seu lugar no universo e vê sua vida e morte circunscrita num drama
coletivo que lhes dá sentido."
As
máscaras despertam os níveis mais profundos do nosso interior, fazendo
florescer a imaginação e a espiritualidade humana. Ela oculta o que sempre
mostramos e revela o que habitualmente ocultamos.
As
máscaras servem para abrir as portas para uma outra realidade. Para
compreendermos o presente, devemos buscar a visão de nossos antepassados e
para poder dimensionar nosso futuro, temos que ver através dos olhos das
máscaras. O seu uso é uma das formas que nos faz compreender a realidade
espiritual subjacente à ordem e os mandatos do mundo.
