A
CHEFE NARUNA
(A Rebelião das Mulheres)

Naruna foi eleita
governante de sua tribo por ser a mais bonita.
Governava seu povo com
a altivez de uma rainha, quando chegaram à aldeia uns
estrangeiros de uma tribo dispersa, da qual Jurupari era o
chefe.
Naruna, apesar de sua
rara beleza, ainda estava solteira, não por opção, mas porque
seu coração não havia palpitado mais forte por nenhum
guerreiro de sua tribo.
Sendo assim, acolheu os
estrangeiros e entre eles, encontrava-se Date, o mais lindo e
forte dos estrangeiros que mexeu com suas entranhas de mulher.
Escolheu-o então, para ser seu marido.
Date, que também tinha
ficado sensibilizado com a beleza e inteligência de Naruna,
aceitou-a como esposa.
Marcaram o casamento
para a próxima lua. Date temia desgostar à Jurupari, mas
estava perdidamente apaixonado por Naruna. Jurupari soube o
que se passava pela Mãe do Sono (seu próprio sono). Então
partiu com pressa para a aldeia de Naruna, mas só chegou lá no
dia do casamento.
Quando começou a
entrega dos presentes, Naruna ficou admirada e ao mesmo tempo
fascinada com a imponente presença de Jurupari. Como ainda não
estava casada com Date, num impulso pediu-o em casamento.
Jurupari recusou e se ofendeu. Naruna, cheia de ódio, mandou
que seus guerreiros castigassem Jurupari. Naruna, seus
guerreiros e todos os índios adormeceram, ficando como que
petrificados com o poder de Jurupari.
Jurupari dirige-se a
Date e diz:
-"Toma esta puçanga,
governa este povo e submete-o às nossas leis. Quando Naruna
acordar não se lembrará que foi chefe." A seguir desaparece na
floresta.
Date colocou a puçanga,
ordenou a Naruna que acordasse e fosse banhar-se no rio.
Naruna sentiu que havia
perdido tudo, mas principalmente o poder de governar e então
meteu-se em uma talha de cachiri e acabar de vez com seu
sofrimento.
À hora da refeição,
Date procurou em vão por Naruna. Colocou a puçanga no nariz e
chamou-a. A talha, como se tivesse pernas parou junto dele.
Date quebrou a talha e encontrou o corpo de Naruna, morta
pelos vapores da fermentação do cachiri. Date enterrou-a e
todas as noites ia chorar sobre sua sepultura.
Um dia, encontraram-no
morto e ali mesmo foi enterrado junto a Naruna. A tribo
pintou-se de urucum e maldisse Jurupari!

Na lenda, estamos diante
de uma ginecocracia, isto é, um governo de uma mulher, no nosso
caso, Naruna. Portanto, é possível afirmar, que já houve épocas,
na Amazônia, que imperava o matriarcado, mas que esse direito
foi perdido, com o aparecimento de Jurupari, o "Filho do Sol",
que instituiu novas leis sociais. Todas as mulheres então,
passaram a uma condição de inferioridade.
Não satisfeitas com a
nova condição e tendo em vista à forte repressão masculina,
muitas fugiram e outras, como é o caso de Naruna, que não
conseguiu retomar o poder, preferiu matar-se.
Date, na lenda, é
considerado um dos "Filhos do Sol", ou seja, pertencia a uma
comunidade de homens, que respeitavam as duras leis de Jurupari.
O Jurupari, foi o
responsável pela instituição secreta "Casa dos Homens", que nada
mais é do que um divisor de águas entre homens e mulheres, ou
seja, servia para impor o caráter patriarcal no seio das tribos.

SITUAÇÃO DAS MULHERES
ENTRE OS KAIAPÓS
As mulheres indígenas
também são feministas, conhecem seu valor e sabem se impor
diante de seus maridos e companheiros.
Na nossa sociedade
indígena, em quase todas as tribos conhecidas, há igualdade
entre os sexos. As restrições a certos tipos de afazeres possuem
raízes mitológicas e não preconceito em relação ao sexo.
Entre os Kaiapós, do
grupo Jê, as meninas chegam a puberdade por volta dos onze anos
e já recebem instruções de suas mães para a utilização da planta
conhecida como "mehrã-kendiô" (gente não deixa gerar), um
anticoncepcional natural, com a qual fazem chás que as
esterilizam por mais de um ano.
Também fazem uso de
pinturas e "arapê kamrik" (bandoleira de fios de algodão na cor
vermelha), para mostrar que já estão na idade de iniciar-se
sexualmente. Depois elas passeiam pela tribo e arredores, para
serem perseguidas pelos homens solteiros e serem desvirginadas.
Quando a situação é concretizada, elas relatam aos seus pais e o
acontecimento é comemorado.
Daí em diante, passam a
ser consideradas adultas e vão pertencer à categoria "mekraytuk",
mulheres que possuem as coxas pintadas de preto, com direito a
fazer amor com quem quiserem.
Os rapazes também passam
por uma situação semelhante e são agarrados pelas mulheres.
Depois de serem desvirginados, passam a pertencer à categoria
menõrõnu e devem usar proteção peniana. Quando as duas
categorias se encontram, praticam relações sexuais livremente.

TIPOS DE CASAMENTO
ENTRE KAIAPÓS
Já o casamento entre os
Kaiapós são de dois tipos. No "me-prõ-printi" (o casamento
prometido ou de virgens). A cerimônia é chamada de "abénmó djuuó
ngo", que significa "gente, uns aos outros, pão dá". Nela é
realizada uma grande festa, onde são servidos beijus com
castanha do pará. Durante a festa o casal recolhe-se a uma choça
reservada aos nubentes, onde acontece o defloramento. Em
seguida, o jovem marido deverá exibir seu pênis sujo de sangue
ao Conselho dos Velhos. Caso não haja sangue, fica comprovado
que o casal teria tido relações antes do casamento.
O outro tipo de casamento
é o que ocorre entre aqueles que já foram iniciados sexualmente.
É organizada também uma grande festa para os jovens casadouros
formam semi-círculos em frente um do outro, e uma pajé manda uma
moça escolher seu marido. Ela aponta o rapaz que mais lhe
agradar e, esse não poderá recusar, pois caso contrário, será
ridicularizado por seus companheiros. Nesse tipo de casamento
não há pacto de fidelidade conjugal até que resolvam consolidar
a relação com um filho.
As índias Yanomami
casam-se após a segunda menstruação, o que ocorre com a idade de
onze à treze anos. Com doze anos, muitas delas já têm filhos. As
mulheres também participam das guerras, com medo de servirem de
troféus para os vencedores.

A infidelidade feminina,
muito constante nessa tribo, é perdoada em troca de uma punição:
o irmão aplica uma surra nos amantes. Essa punição redime o
adultério e a sociedade não condena mais a mulher.
Também o homem que gosta
de se ausentar da tribo e sua mulher não fica contente com a
situação, corre o risco de quando voltar já encontrar outro em
seu lugar. E a mulher é sempre considerada herdeira inconteste e
jamais perde a guarda de seus filhos.

RITUAL DAS AMAZONAS (MEBIÔK)

Apesar de toda essa
liberdade feminina os Kaiapós, realizam uma vez ao ano o Mebiôk,
o Ritual das Amazonas.
Durante sete dias, ou o
período de uma lua, as mulheres se tornam donas da aldeia e
instalam-se na "ngobe", ou seja, na Casa dos Homens, proibida às
mulheres. Cabe aos homens realizar as tarefas femininas,
preparando os alimentos e cuidando dos filhos. À noite, eles são
chamados para atender as necessidades das mulheres e provarem
que são viris. É como se a época do matriarcado retornasse. Na
última noite, no encontro na "ngobe" completamente às escuras,
sem mostrar quem realmente são, fazem sexo até o pajé anunciar a
aurora. Elas vão tomar banho e depois voltam às suas casas e a
sua vida normal.
Através desse ritual, as
mulheres relembram a seus maridos de que, se não as tratarem
bem, elas podem se rebelar, como já fizeram suas antigas
ancestrais, as amazonas.
As lendas das Amazonas
não estão presentes apenas na cultura Kaiapó. Enquanto os homens
xinguanos (Kamayurá, Ywalapiti, Mehinaku ou Waurá) realizam
rituais como Karytu, Yawari ou Kuarup, no qual, além da mensagem
mítica, pretendem reafirmar seu poder na sociedade, valorizando
a beleza, a força e o vigor dos homens, as mulheres, em
oposição, celebram o Yamarikumã, o ritual das Amazonas.
Esse ritual representa a
rebelião coletiva contra o desprezo e a humilhação de
permanecerem como simples espectadoras, assistindo às
demonstrações que consideram machistas. Reagindo, elas fazem o "moitará"
(o comércio de troca intertribal), batem nos maridos,
apropriam-se dos seus artesanatos e das flautas sagradas,
cantam, dançam e lutam "huka-huka" e promovem uma festa tão
grande quanto a masculina. Essa é a forma de demonstrarem que a
qualquer momento podem repetir o episódio das amazonas
guerreiras e viver isoladamente.

Texto pesquisado e
desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO

Bibliografia consultada:
Geográfica Universal - "A
Guerra dos Sexos" - JAN/95
As Amazonas - Fernando G.
Sampaio
Lendas e Mitos da Amzônia
- Ararê M. Bezerra/Ana M. T. de Paula

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