A LENDA..
Houve antigamente uma grande inundação, que
submergiu toda a terra habitada por nossos
ancestrais avós, ficando de fora, apenas, o
"Krindjidjimbé" (Serra do Mar ou Serra Geral).
Os Caingangs (ou kaingangs),os Cadjurucrés e os
Camés nadavam neste rumo, trazendo na boca
chamejantes tições. Mas os Cadjurucrés e os
Camés sucumbiram a fadiga e morreram afogados e
suas almas foram viver no centro da serra.
Os caingangs e um pequeno grupo de Curutóns com
extremo esforço ganharam o cume de
"Krindjidjimbé", onde se conservaram por muitos
dias, mas deitados no chão, os outros refugiados
nos galhos das árvores, sem comida e sem que as
águas baixassem.
Já esperavam a morte, quando ouviram o canto das
saracuras, que vinham trazendo em cestas terra
que atiraram na água, que por isto lentamente se
retirou.
Os índios gritavam as saracuras que se
apressassem, o que fizeram cantando ainda mais e
convidando os patos para ajudá-las. Em pouco
tempo conseguiram formar um planalto em cima da
Serra, que deu plena liberdade aos Caingangs,
menos aqueles que se achavam na árvores, que se
transformaram em Monitos e os Curutons em
Caroyás.
As saracuras iniciaram seu trabalho pelo lado
que nasce o Sol, isto foi a causa por que nossos
rios e arroios correm para o poente e deságuam
no grande Paraná.
Quando o dilúvio cessou, os Caingangs se
estabeleceram na vizinhança imediata da Serra do
Mar. Os Cadjurucrés e os Camés cujas almas
habitavam no centro da serra, começaram a abrir
caminhos. Depois de passarem por muitas fadigas,
conseguiram sortir de dois lados.
Da parte onde saíram os Cadjurucrés era um
terreno plano e não tinha pedras e lá brotou um
fonte agradável. Já o caminho dos Camés
estendia-se sobre um terreno pedregosos. Nenhuma
fonte nasceu neste local íngreme, o que os
obrigou a procurar a água dos Cadjurucrés, que
lhes permitiram beber o quanto fosse necessário.
Ao descerem a serra, os Caingangs ordenaram aos
Curotons que fossem procurar as cestas e cabaças
que haviam deixado em baixo, antes de iniciar-se
a enchente. Eles partiram, mas como eram
preguiçosos e negavam-se de novamente subir a
serra, nunca mais uniram-se aos Caingangs.
Em uma noite que segui-se a sua partida, eles
acenderam fogos e o Cadjurucré, aproveitando-se
da cinza e do carvão, fez os tigres, aos quais
disse:
"Vão comer gente e animais do mato" E os tigres
obedeceram, e foram-se, rugindo.
Como não tivesse bastante carvão, ele fez as
antas, que fez com cinza e disse a elas:
- "Ide comer caça!".
Mas seus ouvidos não eram perfeitos, elas não
tinham escutado direito e voltaram para indagar
o que deviam fazer. Cadjurucré, que
encontrava-se muito ocupado com o fabrico de um
novo animal, lhes ordenou:
- "Ide e comam folhas e galhos de árvore!"
Desta vez elas entenderam bem e foram-se. Daí
vem o porque das antas não comerem senão folhas,
pequenos ramos e frutas.

Cadjurucré estava fazendo um animal a que
faltavam ainda a língua, os dentes e as garras,
quando apontou o dia. E como não pudesse fazer
de dia o que restava, meteu-lhe depressa na boca
uma varinha delgada, dizendo:
- "Por não teres dentes, comerás formigas". Esta
foi a causa por ser o tamanduá um animal
imperfeito.
A noite seguinte, continuou ele seu trabalho de
fazer muitos outros animais, entre elas as
trabalhadoras abelhas.

Enquanto Cadjurucré se ocupava na criação de
alguns animais, Camé ajudava-o fazendo outros,
que combatiam àqueles, para alcançarem um
equilíbrio.
Acabados todos estes trabalhos, puseram-se em
marcha e reuniram-se aos Caingangs. Então,
constataram que existiam muitos tigres e eles
estavam devorando indivíduos da sua tribo.
Fugindo, para atravessar por um rio caudoso ,
fizeram uma ponte com um tronco de árvore.
Depois que todos haviam passado, Cadjurucré, que
os dirigia, disse ao companheiro Camé que,
quando os tigres estivessem na ponte, deveria
sacudi-los vigorosamente, de modo a fazê-los
cair na água para que se afogassem.
Os tigres caíram na água e afundaram, mas alguns
conseguiram saltar ao declive da borda do rio,
onde se seguraram com suas garras. Camé quis
empurrá-los novamente para água, eles rugiram e
mostraram seus dentes e ele teve medo,
retirando-se, deixando-os sair. É por isso que
hoje os tigres passeiam tanto na terra como na
água.
Chegados a uma grande planície, os índios
reuniram-se e combinaram casar seus filhos.
Casaram primeiro os Cadjurucrés com as filhas
dos Camés e vice-vesa. Mas, como restaram muitos
homens, estes se casaram com as filhas dos
Kaingangs. Foi assim que os Cadjurucrés, os
Caingangs e os Camé se tornaram amigos e
parentes.
OS
CAINGANGS HOJE...
Eles possuem uma população de aproximadamente
28.000 índios, espalhado em 25 terras indígenas,
ocupam a área Tietê Uruguay, e se subdividem em
Caingang de São Paulo, Meridional (paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul) e Xocleng (Santa
Catarina). Os Caingang resistem culturalmente,
preservando sua língua do tronco lingüístico
macro-jê.
Os Caingangs também eram conhecidos por
"Coroados", porque os homens e mulheres usavam o
cabelo cortado à moda inglesa e os meninos
tinham a cabeça raspada; conservando uma faixa
de cabelos em volta do crânio ou três madeixas,
duas na frente e a outra atrás.
Este povo era o ponto de interrogação nas
pretensões dos magnatas que ambicionavam a terra
opulenta do oeste paulista. Várias investidas
foram realizadas na conquista do solo riquíssimo
que ocupavam, mas todas elas encontraram pela
frente o índio forte e decidido a não entregar a
selva intérmina que o viu nascer.
Em lutas encarniçadas os caciques Rugre, Charin,
Duquê e Vauhin disputaram a primazia no mando da
terra em que campeavam. No ardor mais profundo
da desavença, os brancos iniciam sua ação
pacífica para conquistar aquele belo sertão.
Vauhin, revelando-se diplomata sagacíssimo, faz
amizade como os civilizados, obrigando os outros
chefes ameríndios a se internarem pela mata com
fugacidade.
Conquistada a terra tão almejada, chegam, de
chofre, colonos de várias nacionalidades
ansiosos por encontrar fortuna. O indígena
viu-se roubado e sem nenhum meio de defender o
que era seu. Espoliados, os índios ainda foram
mimoseados por gripes catarrais, sarampos, entre
tantas outras doenças, trazidas pelo homem
branco. A mortandade foi terrível!
Na mesma proporção que o rico recanto paulista
foi crescendo, a população indígena foi
definhando, esmagada pela ambição desmensurada
dos novos salteadores da terra. Outros chefes
gentílicos, após sofrimento inaudito, voltaram
aos seus pagos cansados de perambular pela
selva.
Entre os costumes dos Caingangs, há dois que
deve-se se citar. Um é interessante pela bondade
que encerra e o outro pela graça que contém.
Atestando o grau de ternura do coração do índio,
tinham este povo, o costume de respeitar as
mulheres e filhos dos vencidos de guerra. Tão
levada ao pé da letra esta ação que, os
guerreiros os consideravam como seus próprios,
os filhos dos adversários que matassem.
Substituíam por "motu-próprio" os chefes da
família que haviam riscado do rol dos vivos, no
ardor da peleja.
SITUAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL
As áreas desta tribo estão relativamente
demarcadas, porém pequenas para a quantidade de
pessoas que nelas habitam. Em Iraí, cidade da
região norte do Rio Grande do Sul, são 200
hectares para 250 famílias aproximadamente. É
pouco para um povo que carrega em sua história
toda uma relação espiritual e material com a
terra. Nas terras Caingang, existe uma população
entre 400 até 4.300 moradores por área, em torno
de 14 áreas o total. Na reserva da Guarita, são
4.300 índios, e a área se estende por 3
municípios. Local onde ocorreu 14 mortes de
crianças em 2001 devido a má alimentação.
A FUNASA, Fundação Nacional de Saúde foi
apontada por entidades ligadas aos Direitos
Humanos como responsável pela má gestão de
recursos. Enquanto o órgão alega que faltam
recursos. Esta mesma região tem maior contato
com o homem branco, devido a proximidade com
rodovias. Lá as denúncias vão desde o abuso dos
comerciantes com dívidas dos índios até a
prostituição de meninas. A situação das
demarcações também envolve a indenização de
agricultores que foram assentados em terras
indígenas durante a década de 40. A demora nas
indenizações já gerou uma série de bloqueios de
rodovias na região norte do estado.
À BEIRA DO CAMINHO....

Atualmente, a população indígena do Rio Grande
do Sul é bastante reduzida. Conforme dados da
Funai, fornecidos por Francisco Vitti, "existem
cerca de dezesseis mil índios no estado. As
tribos ainda remanescentes são a mbya-guarani e
a caingangue".
As comunidades indígenas, como muitas minorias
étnicas, vivem em áreas restritas e localizam-se
basicamente em regiões em processo de
regularização pelo governo federal e são vistas
em acampamentos à beira de rodovias. Os
caingangues concentram-se nos municípios de Iraí
e Nonoai. "Mendicância, artesanato, prestação
de serviços na agricultura – como bóias-frias –,
extração de erva-mate e samambaia são as fontes
de renda dos índios", ressalta Vitti.
Historicamente submetidos à tutela , pois o
Código Civil considera-os relativamente
incapazes, os índios viram suas características
culturais desaparecerem frente à supremacia
tecnológica do homem branco. Eles tiveram que se
reciclar e engolir lágrimas de sangue para viver
em uma sociedade que sempre os marginalizou. Até
seu artesanato foi descaracterizado e teve de
ser adaptado a seleção natural da economia
capitalista de agora.
"Mudamos um pouco o nosso artesanato vendo o que
os brancos usam: tiaras, colares de miçangas...
Passamos a vender mais", admite o índio
caingangue Jaime Alves, que vende seus trabalhos
aos domingos, no Brique da Redenção.
Mas hoje, tenho esperança de que o resgate da
cultura de nossos ancestrais, possam tomar forma
e vulto. O Rio Grande do Sul é muito apegado as
suas raízes. Aqui o legado cultural indígena é
muito forte e encontramos sua influência em
todos os recantos da sociedade contemporânea.
Muito embora, a fusão das culturas seja
inevitável, podemos pensar em construir uma
história diferente, sem morte, sem doenças ou
fome e sim, com a consciência de que a união nos
tornará mais fortes e irmãos.
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto