RITOS DE PASSAGEM
"Os índios têm formas de
demonstrar carinho bem diferentes daquelas dos civilizados e seu casamento
também se realiza de forma diversa. Cada tribo segue rituais e
comportamentos ditados pelos heróis míticos há milhares de anos, e às vezes
o relacionamento homem-mulher pode tomar características de uma verdadeira
guerra." João Américo Peret
O maior
dom do amor é trazer à vida o amor oculto dentro de nós. Isso nos torna
independentes. Somos então capazes de nos aproximar do outro não por
necessidade, mas devido à genuína intimidade, afinidade e vinculação. Isso é
liberdade e é o amor que nos torna livres. Não haverá deste modo, razão para
imitação do outro, nem de se estabelecer defensivas ou atitudes protetoras ante
sua presença.
Quando
se vive em uma fazenda, compreende-se que o espaço é vital, principalmente
quando estamos semeando algo, pois o que cresce precisa de espaço. O ideal é
haver espaço para que a diversidade encontre ritmo e contorno, pois é exatamente
as diferenças que torna um indivíduo atraente para o outro.
Assim é
nosso índio, liberto em sua sexualidade, mas iniciado miticamente na arte de
amar.
O amor
para os indígenas era uma arte e o processo para seu aprendizado dividia-se em
duas partes: o domínio da teoria e posteriormente o domínio da prática. O
domínio da teoria era concretizado mediante os cerimoniais de iniciação.

INICIAÇÃO DOS JOVENS PÚBERES TUPINAMBÁS

A
iniciação das meninas púberes tupinambás realiza-se a partir do primeiro fluxo
menstrual, designado como "nhemõdigara". As jovens revelavam grande temor antes
de se submeterem aos rituais sagrados, mas depois suportavam com relativa
firmeza as provações estipuladas pela tradição tribal. "Porque, escreve Thevet,
além de lhes cortarem os cabelos com pentes de peixe, colocavam-nas sobre uma
pedra lisa e lhes retalhavam a pele com a metade de um dente de animal, das
espáduas as nádegas, fazendo uma cruz oblíqua ao longo das costas, com certos
talhos, a uma mais, a outra menos, de acordo com a robustez, a sensibilidade ou
insensibilidade delas; de modo que o sangue corre de todas as partes".
Esses
procedimentos eram dolorosos e incutiam medo previsível nas jovens a serem
iniciadas. Em seguida, seus corpos eram cobertos com uma substância cinzenta.
Então, ligavam o braço e o corpo com fios de algodão e colocavam em seu colo
dentes de capivara. Tal ritual tinha finalidades mágicas, visando tornar os
dentes da jovem índia, suficientemente fortes para que ela pudesse mastigar com
eficiência as raízes do caium. Acreditavam também, que não obedecessem estes
ritos, o ventre da moça se constrangeria, dificultando a concepção. Depois disso
se fazia necessária a reclusão.
A
iniciada deitava-se numa rede velha, permanecendo nela por três dias, nos quais,
guardava completo jejum. Os guaranis lhe davam algum alimento: "os bocadinhos só
dão-lhe de comer cada dia, e assim tratam-na durante dois ou três dias". Após
este período, a jovem descia da rede, pisando na mesma pedra em que fora
preparada, não pisando diretamente na terra. Se tivesse premência de satisfazer
qualquer necessidade fisiológica, a mãe ou a avó, levava-a para fora, com um
carvão acesso e um algodão. Tantas precauções tinham finalidades mágicas, que
impediam que qualquer coisa má (Mae) entrasse no corpo da iniciada. Voltavam
imediatamente para o seu leito e recebia aos poucos certos alimentos, como
farinha ou raízes fervidas. Permaneceriam assim, até a segunda menstruação,
quando passava a ser designada com o nome de "Jeporeroipoca". Neste período o
peito e o ventre eram escarificados. No mês seguinte a abstinência era abolida,
contudo as iniciadas não podiam conversar com suas companheiras e deviam
conservar-se na rede, desfiando e tecendo algodão. No terceiro mês, depois de
serem pintadas com jenipapo, já podiam dedicar-se a outros trabalhos. Nesta fase
eram intensificados o adestramento da jovem que era entregue às mulheres
adultas, as quais as obrigavam a trabalhar até o extenuamento. Transformavam-se
em exímias donas de casa e aí se dizia: "agora sim está bem, pode ser dado a um
homem".
Esta iniciação
implicava pois, na observância de ritos de morte e de renascimento. Nas
fases iniciais das cerimônias, as jovens eram tratadas como mortas para
depois, serem encaradas como um ente novo, dotado de qualidades e
capacidades especiais. Ou seja, a iniciada perdia os atributos antigos e
adquiria outros novos, que lhe favoreceria para o reconhecimento social da
sua maturidade biológica e pela atribuição de um "status" diferente na
comunidade. A importância deste acontecimento é verificada na celebração com
uma cauinagem especial. Depois da iniciação, as jovens podiam entreter
aventuras amorosas e contrair matrimônio.
O isolamento das jovens
índias por conseqüência da puberdade era semelhante aos dos homens. Durante
este período de solidão forçada as iniciadas conseguem um contato mais
próximo com as forças instintivas dentro de si. Hoje em dia a mulher perdeu
o contato com este valor e é possível que suas inabilidades possam estar
relacionadas com este período. No decurso da menstruação, a natureza
feminina instintiva movimenta-se dentro dela e, como uma maré enchente,
subjuga pelo menos parte de sua consciência. O isolamento prescrito nesta
época, era devido a uma necessidade interior que clama pela introversão, o
afastar das exigências da vida externa para viver por certo tempo nos
lugares secretos de seu próprio coração, permitindo-se estabelecer contato
com a parte mais profunda de sua natureza. Este é o valor encontrado através
do retorno aos costumes da mulher indígena.


Os
cerimoniais do jovem tupinambá se processava bem mais tarde, com aproximadamente
25 anos, quando passavam a usar os "karacóbes", estojos penianos de pano.
Anteriormente eram feitos de folha de palmeira. Passavam também a serem
conhecidos como "Aua", que significa "homem", podendo então participar das
expedições guerreiras, na qualidade de guerreiro. Esta categoria compreendia
homens cuja idade variava de 25 a 40 anos. Estes jovens eram adestrados pelos
pais e pelos homens associados ao seu grupo. O homem tupinambá só poderia ter
relações sexuais com mulheres fecundas após ter ritualmente executado um
inimigo.
Deste
modo, verifica-se que a diferença média entre as idades dos cônjuges variava de
10 a 15 anos. Esta explanação mostra até que ponto o matrimônio representava uma
solução pouco satisfatória para os jovens do sexo masculino, pois só podiam
contrai-lo tardiamente. O grupo opunha obstáculos tanto ao casamento como às
relações sexuais livres com moças em idade núbil. Mas os homens tinham
necessidade absoluta de uma mulher que provesse o seu lar de alimentos e de
lenha, que lhe preparasse as refeições e mantivesse aceso o fogo durante a
noite. Em virtude da proibição de parceiras jovens eles tinham que se contentar
com as velhas, que eram estéreis. Só posteriormente, a companheira velha poderia
ser substituída por outra nova.

RITUAIS DE INICIAÇÃO ENTRE OS KAYAPÓ
Me-i-tük(re) é o nome da cerimônia de iniciação. A própria interpretação da
palavra nos direciona para este sentido: me-i - corpo humano, tükre - preto,
significando morte. Os jovens deviam pintar-se de preto para este
cerimonial, pois tal cor se integra na idéia de obtenção de força,
necessária para sua integração ao novo grupo. Esta expressão, "morte do
corpo", associa-se ao significado do ritual, morrer o homem velho para dar
lugar à ressurreição de uma vida plena para um novo homem guerreiro.
Assinala também, a maturidade sexual do homem.
Entretanto, este rito não é condição "sine quo non" para o ingresso em uma
classe mais elevada, nem para estabelecer relações sexuais. Entretanto, uma
mãe, pode exigir que sua filha se case com um jovem que tenha passado pela
me-i-tük.
Para o ritual, o pai do
iniciante deve conseguir um "krom-dyo" para seu filho, ou seja, um padrinho
legítimo que pode ser de mesmo sangue, como um irmão do pai. Durante a
cerimônia de iniciação, ele se tornará guia e mestre do jovem, devendo todo
o período que se estender o rito, viver exclusivamente para o seu tutelado.
A Casa
dos Homens, "ngob", constitui o centro de vida e da comunidade masculina. Nela
os jovens guerreiros são educados a partir dos sete anos de idade e aí continuam
morando os já iniciados até casarem. Este também é o local das deliberações dos
grandes chefes, que são assistidos pelos conselheiros.
O
correspondente da casa dos homens para o universo feminino são as casas
familiais ou casas dos clãs. Antigamente estava aqui centralizado todo poder
matriarcal.
Na
Amazônia, no princípio, imperou o matriarcado, mas as mulheres perderam o poder
e o "Filho do Sol", instituiu novas leis sociais. Então as mulheres passaram a
condição de inferioridade. Não conformes com estes ditames, teriam tentado
diversas vezes retomar o seu poder. Sem alcançar seu objetivo e sob forte
pressão feita pelos homens, fugiram matando todos os filhos homens.
As
lendas das Amazonas, ainda é vívida na cultura Kayapó, onde mulheres anualmente
celebram o "Mebióki", o ritual das Amazonas. Durante o período de uma lua, estas
abandonam suas casas e num ato de rebeldia se apossam da "Casa dos Homens", uma
instituição totalmente vedada às mulheres. Lá reunidas confabulam para a
organização de uma grande festa. Os homens, neste período, assumem seus afazeres
domésticos e o cuidado dos filhos. Seus papéis tornam-se completamente
invertidos. É como se voltasse no tempo e como por encanto, ressuscitasse o
matriarcado.
Esta
tradição demonstra o descontentamento das mulheres, caso os homens não as tratem
com amor ou desrespeitem a igualdade social adquirida até a presente data,
cabendo a elas, diante de tal ocorrência, rebelar-se novamente e voltarem a
isolar-se na floresta.

Sociedades matriarcais puras são atualmente muito raras, mas existem ainda
algumas sociedades onde a "regra da mãe" ainda persiste, embora os homens tenham
atingido um poder evidente.
A mulher
Kayapó ao ser iniciada, permanece por três semanas sem ver a luz do dia. Também,
durante este isolamento deve se submeter a escarificações com dentes de piranha
para renovar seu sangue. Após todos estes ritos, é apresentada à sociedade como
uma "nova debutante" com direito à toques de trombetas uruás e dança. Depois
deste cerimonial, a jovem torna-se apta e livre para praticar atividades sexuais
com quem quiser.
Para
evitar filhos indesejáveis antes do matrimônio, as adolescentes aprendiam a
manipular plantas como "mehrã-kendiô", que tem a mesma finalidade do
anticoncepcional e as tornavam estéreis por um período de quase um ano.
Os
relacionamentos sexuais entre os Kayapó, são totalmente liberados. Relatos de
pesquisadores nos informam que inclusive a troca de parceiros entre casais
amigos era freqüente, sem qualquer desabono para as partes envolvidas. Mas isto
não é regra para demais tribos. Entretanto, a infidelidade, no verdadeiro
sentido da palavra, era proibitiva, mas quando constatada, não era aplicada aos
amantes grandes sanções.
Entre as
tribos do Xingu, as meninas púberes também devem passar por ritos que lhe impõem
a reclusão por um período que pode variar de seis meses a um ano. Devem
permanecer em total escuridão e seus cabelos são cortados bem curtos.
Por
ocasião da primeira menstruação, elas são levadas diante de uma fogueira e
devem permanecer sentadas junto à terra. Este ritual tinha como objetivo
ofertar o primeiro sangue feminino, imbuído de todo seu poder, para a
Mãe-Terra, provedora de toda a fertilidade. Em contrapartida, o poder
residente na terra é emprestado à fêmea humana, levando em conta a
similaridade entre as duas naturezas.
As
mulheres Yanomani obtêm permissão para se casar depois da segunda
menstruação, o que acontece muito cedo, favorecendo o alcance da maternidade
com a média de 12 anos de idade. Nesta tribo também é permitida a poligamia.

"As mulheres se tornam
guerreiras e os homens atendem suas vontades" João Américo Peret.
Você,
como eu, deve estar se perguntando, que lugar é este? Pois saiba, que esta é
a combinação usada pela maioria das sociedades indígenas brasileiras. Longes
da vida urbana e dos olhos maldosos do homem branco, vivem nossos índios
felizes e "as mulheres se igualam aos homens, em todos os sentidos".

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando o
homem e a mulher procuram um relacionamento mais íntimo, fica evidente suas
diferenças e valores relativos que atribuem à vida. Essas discrepâncias são
essenciais, são opostos que se atraem. Mas tão grande é a divergência de seus
objetivos que inevitavelmente podem surgir conflitos entre eles, quando estão
vivenciando uma associação mais íntima. Este conflito pode, por vezes, parecer
insolúvel e a necessidade que um tem do outro pode se tornar uma carga
intolerável. A maneira convencional de se lidar com esse antigo problema é
permanecer tão inconsciente quanto possível em relação aos efeitos subjetivos
profundos do contato com o outro sexo.
O homem
não está a serviço da mulher e nem esta dele. Todos os dois estão a serviço da
Criação e da complementação eficiente do masculino e feminino. O que realmente
importa é se estabelecer uma verdadeira relação que satisfaça suas necessidades
internas.
Qualquer
tipo de medo ou subjugo prejudica a relação entre o homem e da mulher. Quando o
medo é inexistente, nem há exercício de poder, toda e qualquer mulher é capaz de
estabelecer uma relação satisfatória e criativa de companheirismo e cooperação,
assegurando a complementação de um com o outro. O homem desta forma, deixa de
ser um inimigo e não há motivos, nem necessidade de defender-se ou tentar
dominá-lo.
Hoje a
mulher indígena é livre para viver sua sexualidade como melhor lhe aprouver,
inclusive sofrendo poucas sanções em caso de adultério. Já é uma grande
conquista!

Texto pesquisado
e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO
Bibliografia consultada
Geografia Universal - "A Guerra
dos Sexos", autoria de João Américo Peret, pág 50-63. Jan/1995.
Mito e Vida dos Índios Caiapós -
Anton Lukesch
A Organização Social dos
Tupinambás - Florestan Fernandes
Lendas dos índios do Brasil -
Herbert Baldus
As Amazonas - Fernando G. Sampaio
Les Rites de Passage - Arnold Van
Gennep
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