Jamais
alguém aliara tão harmoniosamente, a arte do esporte com tanta beleza e
graça, como fazia a jovem. Quando atirava a lança, era com tanta rapidez que
parecia a própria deusa Sumá (deusa guerreira da agricultura). Entretanto, Salpiná não desejava tal pensamento e quando alguém lhe assoprava o assunto,
respondia raivosa:
-
"Eu não aprendi coisa alguma com esta deusa. Se ela tiver coragem, que
venha disputar comigo. Se por ventura eu perder, suportarei qualquer castigo,
porém, se ela for vencida, que abandone o sagrado Ibiapaba e torne-se
mortal."
A
deusa Sumá ouviu essa blasfêmia e tomando a forma
majestosa de um
velhinho, cobriu a divina cabeça com um sacro manto feito de lindas e
brilhantes fibras da vermelha bananeira e caminhando com um forte e grosso
tacape, entrando desta forma na casa de Salpiná dizendo:
-"
Bela donzela e valente guerreira, se tens a fama em atirares a lança, bem te
vá, ouve porém um conselho: Deixa o teu orgulho e nunca fales palavras de
arrogância e blasfêmia contra Sumá. Contudo, humilha-te e será
perdoada."
Salpiná
lançou um forte e altivo olhar, para sua lança e cheia de ódio respondeu:
-"Por
ventura estás doido? O peso dos anos enfraqueceu teus pensamentos? Sendo assim,
por que desejas viver ainda? Velho desprezível! Olha, vá dar conselhos a
outrem, porque não vem a deusa em pessoa bater-se comigo? Porque tem
medo?"
A
calma da deusa esgotou-se neste instante.
-"Aqui
estou eu", disse, apresentando-se repentinamente com todo o seu esplendor
celeste. As guerreiras e outras mulheres que estavam presentes caíram de
joelhos e adoraram a deusa, somente Salpiná não se curvou e corajosamente
teimou seu propósito vaidoso e humano.

A
deusa aceitou o desafio e imediatamente foram as duas para o campo, perante os
olhos espantados da multidão, que era formada de vários guerreiros ilustres e
fortes chefes, pois, ali estava Catuaçu, o semi-chefe, Ibiarê, o grande pajé,
os seis filhos de Urupá, a sábia Jaçanã, o valente guerreiro Jurupá da
temível nação dos valentes Jurunas que habitavam as margens do divino Xingu.
O guerreiro, entre as majestosas, ocupava-se em cavar a fecunda terra, em torno
de um sacro pé de meimendro da família das solanáceas. Fora ele que em luta
singular, vencera a cruel Mãe da Mata, que presidia os destinos da fauna e da
flora antes de ser enviado do celeste Ibiapaba, o divino Curupira.

Potiagi contemplou o semblante
do herói, que pelos sofrimentos, não diferia de um velho qualquer, vestia uma
tanga grosseira e suja de jaguatirica, com remendos em toda a parte, tinha em
cada perna velhos enfeites, trazia na cabeça um pobre penacho de velhas plumas,
tendo no semblante as fundas marcas da amargura, isto, porque fora abandonado
pelos deuses e pelos próprios filhos. Então, vendo o herói Caramonã, seu
amigo, apoiou-se ao tronco de uma figueira e chorou amargamente.

Depois, muito
tempo conversaram os dois valentes guerreiros e nada ocultaram um do outro,
porém, Potiagi precisava vir urgente para o grande campo guerreiro dos Urupás,
a fim de assistir a fantástica disputa entre Sumá e Salpiná. Somente com
muito empenho conseguiu trazer o velho amigo com ele e Jurupá vestiu novamente
as suas belas vestes de grande herói e famoso guerreiro e veio com Potiagi. Ali
estava também presente o semi-mortal Caimã. Até mesmo alguns deuses desceram
do sagrado Ibiapaba e vieram assistir a disputa entre a corajosa virgem mortal e
a ofendida deusa imortal. Entre ele: Caupé, Tambatajá, Vapuaçu, as Tiriricas,
as formosas Parajás, o temível Caapora, o alegre Saci, o célebre Abeguar e o
meigo e belo deus Icatú.

Então quando todos fizeram completo silêncio, Sumá
iniciou o duelo. Atirou a primeira lança com tanta força, que a arma
desapareceu em uma nuvem no céu.
Depois, movendo as divinas
mãos, atirou a segunda arma no mar e com tal perfeição, que a lança
atravessando por entre dois rochedos for cravar-se numa árvore submarina, nas
profundezas do mar misterioso. Em seguida, lançou com terrível força a
terceira lança, que atravessando o rio Guaporé foi cravar-se na formosa
Juçara (árvore de ferro), que antes de ser palmeira, era a encantadora Açaí,
filha do guerreiro e chefe Zeiro, tão vaidosa de sua beleza e especialmente de
seus negros cabelos, que se igualava a Jaci, e quando menina, Açaí esteve no
monte Ibiapaba, onde recebeu das próprias mãos de Taicamam, uma verde
esmeralda, com o poder de livrá-la dos maus espíritos e dos Peros.

Além disso,
Açaí era protegida das Parajás, porém ofendeu várias vezes, e de muitas maneiras
a poderosa Jací, dizendo-se mais bela do que ela e por esse motivo, a rainha do
Ibiapaba transformou-lhe os cabelos em cruéis espinhos, que a espetavam dia e
noite, até que Tupá, por piedade a metamorfoseou em uma palmeira, cheia de
pontas agudas, chamando-a pelo nome de Juçara e os iguanos, vieram habitar em
seus galhos. Assim, demonstrou Sumá, a todos os presentes a sua força e poder.
Igualmente, rindo dos deuses e principalmente de Tupã, Salpiná lançou a primeira
arma que atravessou de lado a lado o grosso Ubiratã ; a segunda jogou com tal
força, que desapareceu no horizonte. Naquele instante passou sobre as cabeças de
todos presentes um sagrado Ximango (ave aficonidea), protegido e adorado pelos
poderosos Caramonãs. Aproveitando o momento, Salpiná para melhor escarnecer dos
imortais, atirou a terceira lança, que foi cravar-se no peito da ave, e esta,
soltando um triste lamento, tombou sem vida.

Feito isto,
a própria Sumá não pode deixar de admirar a perfeição e a força da jovem,
contudo, indignou-se pela falta de respeito e pelo espírito maldoso da
guerreira.
Então,
arrancando uma pena da asa esquerda da ave morta, bateu três vezes na donzela.
Imediatamente, Salpiná foi se encolhendo até ficar um pequeno pé de mato, que
foi chamado "capim-vassoura" e até os dias de hoje, os Urupás varrem as suas
casas com o forte capim chamado Salpiná.

Texto
pesquisado e desenvolvido por
Rosane
Volpatto