A LENDA DE SALPINÁ

Na fulgurante tribo dos Urupás, vivia uma linda virgem guerreira, orgulhosa e altiva, de nome Salpiná.  Seu pai, o forte guerreiro de Urupá, foi o primeiro narrador dos mais belos contos, mitos e lendas Brasileiras e falou também dos espíritos bons e maus que vivem nas grandes florestas, correm pelas solidões e dizia terem os filhos da imortal raça Tupi, abandonado em parte, os sacrifícios e preces, por serem também de origem celeste.

 

Ele, embora pobre, era um dos valentes da secular raça dos Urupás, primos dos Tupis que habitavam entre os rios Gi-Paraná e Guaporé.

 

A mãe da jovem também era de origem humilde.

 

O nome Salpiná, era conhecido e estimado pelas tribos lendárias e guerreiras daquelas terras, pois ela vencia a todas as outras mulheres mortais como atiradora de lança. Por sua inteligência arte e valentia, as Parajás vinham das montanhas do Araçatuba, para admirarem e louvarem a arte e o traquejo da virgem.

 

 

Jamais alguém aliara tão harmoniosamente, a arte do esporte com tanta beleza e graça, como fazia a jovem. Quando atirava a lança, era com tanta rapidez que parecia a própria deusa Sumá (deusa guerreira da agricultura). Entretanto, Salpiná não desejava tal pensamento e quando alguém lhe assoprava o assunto, respondia raivosa:

 

- "Eu não aprendi coisa alguma com esta deusa. Se ela tiver coragem, que venha disputar comigo. Se por ventura eu perder, suportarei qualquer castigo, porém, se ela for vencida, que abandone o sagrado Ibiapaba e torne-se mortal."

 

A deusa Sumá ouviu essa blasfêmia e tomando a forma

majestosa  de um velhinho, cobriu a divina cabeça com um sacro manto feito de lindas e brilhantes fibras da vermelha bananeira e caminhando com um forte e grosso tacape, entrando desta forma na casa de Salpiná dizendo:

 

-" Bela donzela e valente guerreira, se tens a fama em atirares a lança, bem te vá, ouve porém um conselho: Deixa o teu orgulho e nunca fales palavras de arrogância e blasfêmia contra Sumá. Contudo, humilha-te e será perdoada."

 

Salpiná lançou um forte e altivo olhar, para sua lança e cheia de ódio respondeu:

 

-"Por ventura estás doido? O peso dos anos enfraqueceu teus pensamentos? Sendo assim, por que desejas viver ainda? Velho desprezível! Olha, vá dar conselhos a outrem, porque não vem a deusa em pessoa bater-se comigo? Porque tem medo?"

 

A calma da deusa esgotou-se neste instante.

-"Aqui estou eu", disse, apresentando-se repentinamente com todo o seu esplendor celeste. As guerreiras e outras mulheres que estavam presentes caíram de joelhos e adoraram a deusa, somente Salpiná não se curvou e corajosamente teimou seu propósito vaidoso e humano.

 

A deusa aceitou o desafio e imediatamente foram as duas para o campo, perante os olhos espantados da multidão, que era formada de vários guerreiros ilustres e fortes chefes, pois, ali estava Catuaçu, o semi-chefe, Ibiarê, o grande pajé, os seis filhos de Urupá, a sábia Jaçanã, o valente guerreiro Jurupá da temível nação dos valentes Jurunas que habitavam as margens do divino Xingu. O guerreiro, entre as majestosas, ocupava-se em cavar a fecunda terra, em torno de um sacro pé de meimendro da família das solanáceas. Fora ele que em luta singular, vencera a cruel Mãe da Mata, que presidia os destinos da fauna e da flora antes de ser enviado do celeste Ibiapaba, o divino Curupira.

Potiagi contemplou o semblante do herói, que pelos sofrimentos, não diferia de um velho qualquer, vestia uma tanga grosseira e suja de jaguatirica, com remendos em toda a parte, tinha em cada perna velhos enfeites, trazia na cabeça um pobre penacho de velhas plumas, tendo no semblante as fundas marcas da amargura, isto, porque fora abandonado pelos deuses e pelos próprios filhos. Então, vendo o herói Caramonã, seu amigo, apoiou-se ao tronco de uma figueira e chorou amargamente.

Depois, muito tempo conversaram os dois valentes guerreiros e nada ocultaram um do outro, porém, Potiagi precisava vir urgente para o grande campo guerreiro dos Urupás, a fim de assistir a fantástica disputa entre Sumá e Salpiná. Somente com muito empenho conseguiu trazer o velho amigo com ele e Jurupá vestiu novamente as suas belas vestes de grande herói e famoso guerreiro e veio com Potiagi. Ali estava também presente o semi-mortal Caimã. Até mesmo alguns deuses desceram do sagrado Ibiapaba e vieram assistir a disputa entre a corajosa virgem mortal e a ofendida deusa imortal. Entre ele: Caupé, Tambatajá, Vapuaçu, as Tiriricas, as formosas Parajás, o temível Caapora, o alegre Saci, o célebre Abeguar e o meigo e belo deus Icatú.

Então quando todos fizeram completo silêncio, Sumá iniciou o duelo. Atirou a primeira lança com tanta força, que a arma desapareceu em uma nuvem no céu.

Depois, movendo as divinas mãos, atirou a segunda arma no mar e com tal perfeição, que a lança atravessando por entre dois rochedos for cravar-se numa árvore submarina, nas profundezas do mar misterioso. Em seguida, lançou com terrível força a terceira lança, que atravessando o rio Guaporé foi cravar-se na formosa Juçara (árvore de ferro), que antes de ser palmeira, era a encantadora Açaí, filha do guerreiro e chefe Zeiro, tão vaidosa de sua beleza e especialmente de seus negros cabelos, que se igualava a Jaci, e quando menina, Açaí esteve no monte Ibiapaba, onde recebeu das próprias mãos de Taicamam, uma verde esmeralda, com o poder de livrá-la dos maus espíritos e dos Peros.

Além disso, Açaí era protegida das Parajás, porém ofendeu várias vezes, e de muitas maneiras a poderosa Jací, dizendo-se mais bela do que ela e por esse motivo, a rainha do Ibiapaba transformou-lhe os cabelos em cruéis espinhos, que a espetavam dia e noite, até que Tupá, por piedade a metamorfoseou em uma palmeira, cheia de pontas agudas, chamando-a pelo nome de Juçara e os iguanos, vieram habitar em seus galhos. Assim, demonstrou Sumá, a todos os presentes a sua força e poder. Igualmente, rindo dos deuses e principalmente de Tupã, Salpiná lançou a primeira arma que atravessou de lado a lado o grosso Ubiratã ; a segunda jogou com tal força, que desapareceu no horizonte. Naquele instante passou sobre as cabeças de todos presentes um sagrado Ximango (ave aficonidea), protegido e adorado pelos poderosos Caramonãs. Aproveitando o momento, Salpiná para melhor escarnecer dos imortais, atirou a terceira lança, que foi cravar-se no peito da ave, e esta, soltando um triste lamento, tombou sem vida.

Feito isto, a própria Sumá não pode deixar de admirar a perfeição e a força da jovem, contudo, indignou-se pela falta de respeito e pelo espírito maldoso da guerreira.

Então, arrancando uma pena da asa esquerda da ave morta, bateu três vezes na donzela. Imediatamente, Salpiná foi se encolhendo até ficar um pequeno pé de mato, que foi chamado "capim-vassoura" e até os dias de hoje, os Urupás varrem as suas casas com o forte capim chamado Salpiná.

Texto pesquisado e desenvolvido por

Rosane Volpatto