LENDA DE UBAÍ E ABARÁ

(Lenda da origem das Gaivotas)

Ubaí, que também era chamada Ubatá, era filha de Tainacan, Deusa das Constelações e do valoroso guerreiro de Vaza-Barris. Era muito bela como as próprias Parás (Deusas da Beleza), tão meiga e solitária que a sagrada Jaci (Deusa Lua), irmã de Vapuaçu, esposa de Tupã, tinha dela mortal ciúme.

Certa vez, uma predição de mau agouro lhe comunicara que ela iria morrer na flor dos anos. Ubaí, apavorada, contou a seu marido, o valente e destemido Abará descendente dos Uabais e afilhado de Iara (sereia indígena), tudo o que oráculo profetizara a respeito dela.

O marido tentou fazê-la esquecer tudo aquilo, porém Ubaí cada vez mais impressionada, resolveu atravessar o grande mar sem sal (rio Amazonas), deixando a lendária Itacotiara, cidade laboriosa e protegida de Guaraci (Deus Sol), para ir sozinha ao outro lado, a fim de consultar o adivinho Abaeté, sábio pajé que habitava em uma gruta de pedras onde recebia as predições dos sete Angás.

Se meigo e fiel marido, que era amado pelo Deus Curupira (Protetor da Floresta), e a quem era ligado por misterioso amor, com meigos argumentos e carinhosas palavras, tentou ainda uma vez, desfazer também a perigosa viagem.

Mesmo comovida no mais íntimo do coração, as lágrimas e os lamentos do marido nada resolveram.

-"Bem sei", disse ela, "que para nós a despedida é sempre uma profunda dor, mas prometo pelo nome do tonante Deus que, se os Deuses me protegerem, muito antes que o poderoso, Polo (Deus do Vento) sopre três vezes, eu estarei de volta para organizar as alegres festas da Tocandira".

Depois mandou que preparassem a igara (canoa) para a viagem. Na hora da despedida não pode Abará ocultar a sua imensa tristeza.

-"Tupã esteja contigo!".

Tão somente pronunciou essas poucas palavras e sentando-se na branca areia começou a soluçar. Indecisa ficou a jovem esposa e bem desejou voltar, contudo, os remadores já movimentando os remos, faziam correr em rápida velocidade, a igara sobre as límpidas e serenas águas do grande rio.

Não suportando a dor, Ubaí virou-se para a frente da embarcação. Nesse momento, Abará erguendo os olhos lacrimejantes, viu a querida esposa, acenando para ele num derradeiro adeus. O amado marido respondeu-lhe do mesmo modo, e com os olhos, foi acompanhando a igara até que o vulto da sua bem amada desapareceu totalmente.

Regressou o marido muito aflito e solitário para a choça e com lágrimas e lamentos, chorou a esposa distante.

Correndo cada vez mais longe, já estava em terras paraenses nas direções das regiões de Óbitos a igara. Grande distância já vencera a embarcação e um suave vento impelia a canoa que suavemente navegava bem no meio das duas margens, então, nesse momento, atirou-se das alturas o violento Polo (Deus do Vento) enchendo a superfície das águas de grossas espumas. Uma raivosa tempestade levantou-se.

-"Mais rápidos ou seremos tragados pelas raivosas ondas", gritou amedrontado o remador chefe.

No meio do fragor do  temporal, a voz da guerreira também não podia ser ouvida. Durante essa agitação, aumentava ainda mais a raiva e a força dos ventos que abriam as águas até as profundezas. Escuras nuvens cobriam o infinito e apavorante noite envolveu a terra.

As ondas em horrenda fúria invadiram a embarcação e com tremendo retumbar o trovão ecoou. O desânimo, o medo e o pavor tomaram conta de todos.

-"Ah!", pensava Ubaí, "Se eu pudesse, pelo menos olhar para os lados onde ficou o meu amado!".

Porém, a tremenda escuridão da noite não permitiu que ela soubesse para onde virar-se.

As ondas já agora sob o domínio do Deus Boto, dos sete Angás e dos espíritos saídos da sagrada habitação dos Deuses marinhos, arrebatavam sem piedade aos pobres remadores que nunca mais voltaram à tona. Ubaí em desespero, agarrou-se a um remo, mas seus braços começaram a ficar adormecidos.

-"Ubará!", suspirou a infeliz; "Ubará!", exclamou ainda Ubaí pela última vez, perecendo no abismo das águas.

A sua divina mãe Tainacam, ocultou o sacro rosto com as mãos para não assistir à morte de sua filha querida e nada pode fazer por ela, porque esse era o seu destino.

No Ibiapaba, sorriu a invejosa Jaci, pela morte da donzela que por ser linda e corajosa, era mais querida e admirada do que a própria Deusa.

Desse modo, cumpriu-se, sem que Ubaí soubesse, a terrível predição, contudo, os imortais compadecidos, transformaram-na em uma linda gaivota branca e ao seu marido também.

Então, muito felizes tranqüilos e leves como a virtude, os dois voaram e desapareceram na direção norte, e lá, deram origem aos primeiros bandos de alvas gaivotas, que, nas tardes quentes passam pelo vasto céu azul da pátria, batendo suavemente as asas em caminho das praias no extremo ocidente.

Texto pesquisado e desenvolvido por

ROSANE VOLPATTO