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A Mulher que se transformou
em Tartaruga terrestre
Em tempos muito antigos não havia tartaruga terrestre. Mas eis
que então, ela surgiu...
Foi uma índia Caiapó que foi transformada em tartaruga
terrestre.
A lenda nos conta que aconteceu assim...
Um marido, possesso de ciúmes, arranjou um fruto venenoso,
mediante o qual, por vingança, transformou a esposa em tartaruga terrestre.
Esta pertencia a dois homens, ao marido e ao amante. A infiel
fugiu com o amante. Cheio de raiva e ódio mortal, o marido traído saiu em
sua busca. Ele descobriu as pegadas no solo e assim perseguiu os dois que
haviam se refugiado na floresta. Em seu caminho, o marido encontrou o
perigoso fruto mágico.
Após longas e penosas buscas, o marido acabou achando a choça,
na qual morava a esposa com seu amante. Aí, aplicando o feitiço, o marido
transformou-a em tartaruga e carregou-a de volta a aldeia, para sua casa.
Passado muito, muito tempo, o homem saiu à procura de outro fruto mágico,
mediante o qual restituiu à mulher sua antiga forma humana.
A partir de então ela ficou com o marido.
Através desta lenda temos o surgimento de novos seres na ordem
terrestre relacionados com o ciúmes e o poder brutal do homem. Aqui não é o
homem que transformar-se em um monstro forte e perigoso de modo a vigiar a
esposa infiel, mas é ele que a transforma em animal indefeso, fácil de ser impedido
em sua liberdade e fácil de ser controlado. A tartaruga terrestre apenas
é capaz de arrastar-se pelo chão, presa a sua dura carapaça. Se alguém a
virar e a deitar de costas, ela somente pode agitar-se, totalmente indefesa.
Por ocasião das grandes festividades realizadas pelos indígenas,
era comum serem trazidas grandes quantidades de tartarugas. Penduradas em
varas, podia-se trazê-las vivas e assim, tinha-se bastante carne fresca para
os banquetes.
Entretanto, com esta transformação da mulher traidora,
uma nossa espécie surge, pois o mito diz expressamente que elas
"surgiram".
A força da imaginação e os ciúmes do homem que não
consegue controlar a mulher, o faz encontrar um fruto mágico para transformá-la
em um animal coagido. O herói cultural, em sua atitude egocêntrica, só
pensa em sua própria sorte, ora perdido de amor, ora com o coração cheio de
ódio e desejos de vingança.
Aplacada sua ira e tendo a certeza de ter alcançado seus
objetivos educacionais, volta a transformar a tartaruga em mulher.
No fim, o mito diz: " A partir de então a mulher fica com
o marido". A prova da vitória do domínio do homem para as gerações
futuras persiste na conservação da nova espécie animal, por intermédio dos
descendentes nascidos da mulher, enquanto tartaruga terrestre.
Se para o nosso indígena a tartaruga é considerada como um
animal indefeso, para outros povos, em razão de suas quatro patas serem
curtas e grossas, portanto semelhantes a colunas ou pilares, é sinônimo de
solidez, que faz dela um animal cosmóforo, tal qual o crocodilo, a baleia, o
dragão e o mamute.
Como sua carapaça é redonda em cima e chata embaixo, a
tartaruga é representação freqüente do universo: redonda como a abóbada
celeste e chata como a terra. Com efeito, pela capa e pela superfície chata
de sua carapaça, ela passa a ser mediadora entre o céu e a terra e é por
isso, que ela tem poderes de conhecimento e de divinação.
É também animal saturnino, símbolo da longevidade, associada
a idéia de imortalidade e ligada à fertilidade das águas primordiais,
regidas pela Lua.
Segundo um mito iroquês, quando a Grande-Mãe dos homens caiu
do céu no mar, a tartaruga a recolheu em seu dorso, que o rato almiscarado
cobriu com o lobo trazido do fundo do oceano. Assim, foi formada a primeira
ilha, que aos poucos se estendeu e se tornou a terra inteira. Esse mesmo mito
fala duas vezes da Grande Tartaruga, que assegura o desenvolvimento da espécie
humana.
Essa concepção se encontra ainda entre os sioux e os
huronianos, mas também entre os povos altaicos, turcos e mongóis da Ásia
central.
Entre os ameríndios algonquinos, Kitche Manitu (deus supremo e
criador), sulcou as águas primordiais, à procura de uma região propícia
para a emergência das terras nas quais a vida pudesse desenvolver-se: uma
tartaruga lhe indicou onde encontraria a terra, e os pássaros aquáticos lha
trouxeram em seus bicos. Foi assim que Kitche Manitu modelou a terra e depois
a secou com seu cachimbo sagrado.
Já, segundo a tradição chinesa, o imperador Yu, o Grande, (discípulo
de Confúcio que viveu entre 371 e 289 a. C.), dividiu
a terra em nove regiões propícias à virtude e à agricultura. Essa divisão
que ele impôs ao mundo, foi-lhe revelada por uma tartaruga sobrenatural,
chamada Than-qui (Tartaruga-Gênio) ou ainda Mãe das Tartarugas, sobre cujo
dorso estava escrito um tratado cósmico intitulado Hong-Fan (a Grande Regra)
ou um diagrama das None Subdivisões desse tratado, feito de pontos negros e
brancos. Para alguns, essa Mãe das Tartarugas era formada de fogo e água.
Para outros, era constituída da luz das estrelas e da constelação de Sagitário.
Na concepção chinesa, o céu é hemisférico, ao passo que a
terra é quadrangular, por isso, os chineses vêem na tartaruga uma imagem ou
modelo do universo, tartaruga cuja carapaça é redonda como o céu e cujo
plastrão lembra a terra quadrangular com suas Noves Divisões.
Estes, foram exemplos, que nos mostram a importância da
tartaruga como animal primordial e civilizador.
Texto pesquisado e desenvolvido por
Rosane Volpatto
BIBLIOGRAFIA:
Mito e Vida dos Índios Caiapós - Anton
Lukesch; Livraria Pioneira Editora; SP; pp. 103
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