A ORIGEM DA NOITE

(Lenda Maué)


Depois de criado o mundo não havia noite para o índio Maué dormir.

Uánham, sabendo que a Surucucu era Dona da Noite resolveu ir buscá-la. Levou consigo arco e flechas para com eles comprar a noite.

A Surucucu, porém, recusou, pois não possuía mãos.

Uánham voltou com uma liga para as pernas. Surucucu mandou-lhe amarrá-la no seu rabo, porque não podia se levantar (por isso quando a cobra se zanga, sacode o rabo, fazendo barulho, ché, ché, ché para previnir quem passa). Não lhe entregou, porém, a noite.

Uánham voltou com venenos. Surucucu, então necessitava de venenos, arrumou a primeira Noite numa cesta e entregou-a a Uánham.

Assim que saiu da casa da Surucucu, seus companheiros correram ao seu encontro ansiosos pelo resultado do negócio. Uánham fora recomendado pela Surucucu que só abrisse a cesta em casa. Seus companheiros tanto insistiram em abrir a cesta, que acabaram conseguindo.

Saiu a primeira Noite. Os companheiros de Uánham, com medo, começaram a gritar e fugiram às cegas. Uánham gritava: "Tragam a Lua, pois havia ficado só na noite".

Então os parentes da Surucucu, jararaca, lacrau, centopéias, que já haviam dividido o veneno entre si e todas as outras cobras, foram experimentá-lo em Uánham, exceto a Cutimbóia, pois sendo muito brava não ganhou veneno, para que não mordesse todos os Maués.

Uánham morreu da picada da jararaca, mas depois ressuscitou quando um amigo (com quem tinha um trato) banhou seu cadáver com um banho de folhas mágicas. Levou mais veneno para Surucucu, em troca da Grande Noite, porque a noite havia sido muito curta.

Surucucu, para formar a Noite Grande, misturou jenipapo com todas as imundícies que encontrou. E é por isso que, à noite, sentimos tantas dores no corpo e ficamos com a boca amarga e fedorenta.

Essa foi a noite que Uánham arrumou para os Maués.

Os Maués são os plantadores seculares do guaraná, cujas sementes, depois de torradas, quer na forma de pequenos bastões, quer na de pequenos pães, representavam um produto de consumo tradicional da tribo e, certamente de comércio com outros povos. Hoje eles se denominam Sateré-Mawé. O primeiro nome - Sateré - quer dizer "lagarta de fogo", referência ao clã mais importante dentre os que compõem esta sociedade, aquele que indica tradicionalmente a linha sucessória dos chefes políticos. O segundo nome - Mawé - quer dizer "papagaio inteligente e curioso" e não é designação clânica.

Segundo relatos dos velhos Sateré-Mawé, seus ancestrais habitavam em tempos imemoriais o vasto território entre os rios Madeira e Tapajós, delimitado ao norte pelas ilhas Tupinambaranas, no rio Amazonas e, ao sul, pelas cabeceiras do Tapajós.
Os Sateré-Mawé referem-se ao seu lugar de origem como sendo o Noçoquém, lugar da morada de seus heróis míticos. Eles localizam-no na margem esquerda do Tapajós, numa região de floresta densa e pedregosa, "lá onde as pedras falam".

Os Sateré-Mawé tiveram seu primeiro contato com os brancos na época de atuação da Companhia de Jesus, quando os jesuítas fundaram a Missão de Tupinambaranas, em 1669. Em 1692, após terem matado alguns homens brancos, o governo declarou uma guerra justa (legal) contra eles, parcialmente evitada pelos índios, uma vez que estes foram avisados e se espalharam, sendo que somente alguns ofereceram resistência.
A partir do contato com os brancos, e mesmo antes disso, devido às guerras com os Munduruku e Parintintim, o território ancestral dos Sateré-Mawé foi sensivelmente reduzido. Em 1835 eclodiu a Cabanagem na Amazônia, principal insurreição nativista do Brasil. Os Munduruku e Mawé (dos rios Tapajós e Madeira) e os Mura (do rio Madeira), bem como grupos indígenas do rio Negro, aderiram aos cabanos e só se renderam em 1839. Epidemias e atroz perseguição aos grupos indígenas que com eles combatiam, devastaram enormes áreas da Amazônia, deslocando esses grupos dos seus territórios tradicionais ou reduzindo-os.

Eles são tradicionalmente índios da floresta, do centro, como eles próprios falam. Até o começo do século XX escolhiam lugares preferencialmente nas regiões centrais da mata, próximas às nascentes dos rio, para implantarem suas aldeias e sítios. Nessas regiões, a caça é abundante; encontram-se em profusão os filhos de guaraná (como chamam, em português, as mudas nativas da Paullinia Sorbilis); existe grande quantidade de palmeiras como o açaí, tucumã, pupunha e bacaba, que sazonalmente comparecem na dieta alimentar; os rios são igarapés estreitos, com corredeiras e água bem fria. Esse é o ecossistema por excelência dos Sateré-Mawé e podemos observar, ainda hoje, que as aldeias que guardam formas de vida tradicionais "como no tempo dos velhos"  situam-se nessas regiões.

O povo Sateré-Mawé são mais de 7.500 pessoas que moram na Terra Indígena Andirá-Marau (788.528 ha, demarcada na década de 1980) nos Estados do Amazonas e Pará. Além disso, há cerca de 370 Sateré-Mawé que desde os anos 1970 moram na cidade de Manaus. Apesar de mais de três séculos de contato, os Sateré-Mawé mantêm sua língua, as instituições dos clãs e dos tuisás (tuxauas) e suas tradições como os rituais de iniciação. Desde os anos 1980, o povo Sateré-Mawé formou várias organizações, entre elas o Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM, 1989) com sede em Parantins e a Associação das Mulheres Indígenas Sateré-Mawé (AMISM, 1992) com sede em Manaus.
 

Texto pesquisado e desenvolvido por

ROSANE VOLPATTO