O SOM INDÍGENA

"É admirável
que, sem
partitura, eles
consigam manter
os seus rituais e
composições desde
épocas
imemoriáveis"
J. A. Peret
Como as raízes e
radículas de
grosso e nodoso
caule, do sistema
auditivo sai um
número infinito
de filamentos que
se expandem pela
orelha interna. O
conjunto de todos
esses filamentos,
constituem-se em
um aparelho de
ressonância. Cada
corda desta
maravilhosa harpa
representa um
corpo elástico
assimétrico
sintonizado, para
reproduzir um som
determinado e só
vibra, quando
receber uma nota
a qual esteja
regulado. Assim
esse
extraordinário
aparelho decompõe
os movimentos
sonoros compostos
em sons simples
fazendo uma
verdadeira
seleção dos sons
musicais. As mais
fracas vibrações
são captadas pelo
pavilhão
auditivo, que
funciona à guisa
de antena e
transmitidas ao
cérebro.
Desse modo,
visualizamos que
as qualidades
musicistas de um
indivíduo estão
ligadas ao seu
coeficiente
cultural. O
aparelho de
audição é também
fruto do meio.
Nós que vivemos
em grandes
centros urbanos,
estamos
habituados a
suportar a
infernal sinfonia
da cidade. Já o
índio, afina seu
ouvido e percebe
ruídos longínquos
que nos escapam
inteiramente.
Alguns, possuem
os ouvidos tão
apurados que
imitam com
perfeição
absoluta o canto
das aves na
região que eles
campeiam. Tão
perfeito é o
arremedo, que até
os pássaros se
enganam e vêm
apresentar-se,
ingenuamente, ao
alcance de sua
flecha certeira.
Pois foi este
"espírito" da
natureza que
despertou a
música no coração
do indígena.
Assim como,
também todos os
seus instrumentos
musicais foram
recolhidos da
floresta com a
finalidade de
única de
reproduzir os
sons mágicos da
mata.

Chateaubrinad
afirma em o
"Gênio do
Cristianismo"
que, "ao sentir o
ruído da
embarcação do
roupeta,
internou-se na
mata o filho da
floresta e que,
só depois que lhe
falou à alma pela
vibração da nota
harmônio, da
harpa e do
cântico, é que
ele, absorto,
largando
inconscientemente
o arco e a
flecha, atira-se,
insensivelmente à
correnteza dos
rios, ao encontro
da civilização."
Descobre-se
assim,
nitidamente, o
ponto mais
sensível da alma
virgem. O
indígena deixa-se
vencer facilmente
pela música e ela
foi utilizada
como meio
prodigioso pelos
jesuítas para a
catequese.
Realmente, foi a
música a grande
arma do
missionário.
Era, pois, o
índio, desde o
início, uma raça
que respirava
alegria. A maior
parte de seu
tempo se escoava
em diversões:
danças, passeios,
cânticos e
música. Até no
trabalho
exterioriza a
festa do coração,
cantarolando,
gritando,
chalaceando.
Predestinados
para arte dos
sons, eles têm
música própria,
de ritmo
peculiar, coisa
típica e
inflexível q que
não se submeteu,
até hoje, a
influências
estranhas.
As palmas
repetidas, o
sapateado, os
trejeitos, os
agachos e as
micagens,
emprestam a dança
do indígena uma
feição original.
O "chic", para o
descendente
guarani, por
exemplo, era
dançar e cantar
com um chapéu na
cabeça, sem
esquecer o
complemento de
sua indumentária,
que é o pala.
Entre os tupis,
também, tudo era
música, dança e
poesia. O
nascimento e a
morte, a guerra e
as festas, o amor
e a religião, a
linguagem e a
vida.
Todas as melodias
e letra dos
cânticos
indígenas lhes
são passados em
sonhos aos pajés
ou a guerreiros
com o devido
"status". Para
não esquecerem
tão maravilhosos
ensinamentos,
costumam colocar
"um raminho de
enodoréu à guisa
do brinco".
O índio dança,
canta e compõe em
total harmonia
com a natureza.
Mas, em suas
evoluções,
mulheres e homem
separam-se:
"homens cantam
entrelaçados,
formando uma
coreografia; as
mulheres também
cantam e dançam
entrelaçadas,
formando outra
coreografia".


INSTRUMENTOS
MUSICAIS


INSTRUMENTOS
IDIOFONES
São instrumentos
que vibram por si
só ou por
percussão tocados
por movimentos
diretos ou
indiretos. Entre
eles:
Trocano:
instrumento de
comunicação entre
tribos. Consiste
em uma tora leve
e sonora, de 2 a
3 metros de
comprimento e 1,5
de largura. Nela
encontramos
escavados
círculos com dez
centímetros de
diâmetro,
interligados por
estreitas fendas.
Ela é colocada em
um buraco e fica
suspensa entre
quatro paus
presos à tiras de
cipó que lhe
permitem um
movimento para
cima ou para
baixo. A
percussão se
processa através
de bastões
envoltos em tiras
de couro. De
acordo com o
local que se
golpeia e sua
variação de
quantidade é
possível produzir
mensagens, que
são ouvidas até
uma distância de
10 Km.

Chocalhos (Mussurunas-maracás,
auáiú, guararás,
urucá, butori,
etc.): são os
instrumentos mais
populares entre
todas as tribos.
Podem ser usados
como guizos ou
presos aos corpo.
São
confeccionados de
caroços de
frutos, sementes,
unhas e dentes de
animais,
caramujos,
carapaças de
tartaruguinhas,
etc. São muito
usados como
tornozeleiras nas
danças, assim
como também
aparecem atados à
bastões, sempre
conservando
significados
místicos. Com o
movimento dos
pés, fazia-se
ouvir o som
destes reduzidos
chocalhos,
imitando talvez a
cascavel, que
desprende dos
anéis atritados
da cauda, quando
marcha, um ruído
crepitante de
sacais
machucados.

O instrumento
mais nobre dentre
eles é o
"Maracá", que é
feito, às vezes
de cabaça oca, é
um pequeno globo,
cheio de
pedrinhas
esféricas, também
de bolas de
terra-cota ou
tentos vegetais,
tinha um penacho
no alto e, em
baixo, o cabo de
madeira, osso,
chifre, palha ou
fibras. Agitado
pelo pajé,
curandeiro da
tribo, na hora
das invocações,
dos sacrifícios e
das mandingas,
enxotava do corpo
da vítima os
espíritos
malignos.
O Maracá
portanto,
sinaliza o poder
espiritual, que
pode atrair bons
espíritos e se
defender dos
maus. Talvez,
pelo fato de ser
um instrumento
religioso,
trazido pelos
pajés das
cerimônias
litúrgicas e, por
isso, guardado
com reservas
especiais entre
os despojos dos
sacerdotes
indígenas, ele
tenha chegado até
nós, com esse
aspecto
multifário.

Bastões de ritmo
(Tacapú, Karutana,
Waranga, Taquara,
etc): é um
instrumento
preferencialmente
feminino, bastão
de compasso, é
confeccionado a
partir de uma
vara de bambu com
dimensões
variadas, pode
ser aberto ou
fechado em sua
extremidade. Ele
marca o ritmo, ao
ser batido no
chão, marcando a
cadência
coreográfica.
Alguns,
apresentam na sua
extremidade
superior, maracás
ou encontram-se
enfeitados com
guizos. Segundo
alguns cronistas
do tempo da
Descoberta, o som
emitido pela vara
de ritmo levava o
indígena ao
Paraíso, tanto
que esse
instrumento, pele
importância que
merecia, ficava
guardado em uma
barraca sagrada,
com outros
objetos
litúrgicos.
Pertencente a
esta mesma
família,
encontramos os
"paus de chuva",
que são bastões
fechados com
sementes, que ao
serem batidos no
solo, caem em seu
interior,
produzindo um
ruído similar à
chuva.

INSTRUMENTOS
MEMBRAFONES
São todo aquele
que emite som
mediante à
vibração de uma
membrana nele
distendida, isto
é, um tambor.
Entre eles
encontramos: "o "katukinaru"
(Katukina), um
tambor de embaúba
com pele e "pin-pin"
(Kadwéu), chamado
de tambor d'água,
confeccionado com
madeira escavada
onde colocam água
e a cobrem com
pele.
O tambor foi um
tipo de
instrumento muito
usado pelos
marajoaras em
suas danças e na
peleja. Faziam-no
de um galho ou
tronco de árvore,
do qual extraíam
o cerne,
tornando-o oco e
cilindróide. Em
uma das
extremidades
fechavam-lhe a
abertura com a
pele de um animal
silvestre, onça,
veado, queixada,
capivara, caetetu
e até mesmo anta.
Colocavam-no
horizontalmente
sobre a terra,
para efeitos de
dança e o músico,
nele escanchado,
como quem
cavalga, tocava-o
com as mãos,
sincopando uma
cadência de
batuque. A toada,
apesar de
monótona, reflexo
da índole da
tribo, animava a
fileira de
dançarinos, pois
o geral da
coreografia
indígena, reponta
em cordões,
circulares,
ovais,
serpentiformes,
às vezes livres,
às vezes pregados
no ombro do
parceiro da
frente.

INSTRUMENTOS
AEROFONES
Os aerofones,
como a própria
palavra nos
informa, são
todos aqueles que
soam mediante a
ação do ar no seu
interior. É a
família mais
numerosa de todos
os instrumentos
indígenas.
Entre eles:
Zumbidores (aidje):
soam quando
agitados no ar.
"Consiste de um
cabo decorado
(pinturas ou
plumas) ligado
por uma corda a
uma pequena tábua
oval". Ao ser
evolucionada em
círculos no ar, a
tábua produz um
zumbido forte.
Este instrumento
está ligado a
cerimoniais
fúnebres e é
proibido às
mulheres ou
crianças.

Trombetas (Onfuá,
Inúbia, Janubia,
Membi-tarará,
Ireru): são os
instrumentos mais
conhecidos por
todos nós. Nada
mais são do que
madeiras ocas de
embaúba, bambu ou
taquara, que
possuem
embocadura na
extremidade ou na
lateral, podem
ter até dois
metros de
comprimento e
serem compostas
de duas metades
ligadas com cera
ou atadas com
couro. Algumas
vezes, eram
construídas com
cabaças em suas
extremidades, ou
ainda feitas de
barro ou osso.Com
múltiplos feitios
que lhe dão,
algumas vezes
parece um
porta-voz de
bordo, embora a
sua forma e suas
dimensões sofram
alterações de
maloca para
maloca. Tocada
nos terreiros por
motivo de júbilo,
a nota álacre
vibrava no ar
como sinal de
acontecimento
festivo.
Trombetas com
ressoador: Pamý,
Ilka, Panna,
Berago.
Trombetas com
Lingüetas: Paari,
Toré, Ufuá. O
Toré.
Desdobrada em
buzina, a
trombeta
reservava-se
constantemente
aos motivos
alegres, aos dias
festivos. As
trombetas eram
também, acionadas
em vários rituais
como nas
iniciações da
jovem púbere, nas
festas do
Jurupari entre
outros.
Buzinas e
Conchas: eram
muito utilizadas
como trombetas de
guerra ou
sinaleiros nos
barcos. "São
feitas de taboca,
cabaça e porongo,
como a "apiyimikô"(Canela
e Kayapó), de
taboca com
terminal de cauda
de
tatu-canastra."
Todos os
instrumentos são
furados em uma
extremidade de
forma a servir de
bocal, produzem
som quando
assoprados.
Flauta:
instrumento muito
apreciado entre
os indígenas. A
emissão do som é
decorrente de
sopro que faz
vibrar o ar no
seu interior de
um tubo
cilíndrico ou
mesmo em formato
de concha. Há
predomínio das
flautas
verticais. São
confeccionadas a
partir de
madeira, osso ou
barro. Neste
grupo, incluem-se
os apitos e os
pios, feitos de
coco, folha de
palmeira, chifre,
concha, madeira,
etc. Entre eles:
Flauta aruá: é
confeccionada a
partir de taboca
e apresenta três
metros de
comprimento,
"composta de dois
tubos atados lado
a lado e
embocadura
(sopradas
alternadamente,
produzem sons
semelhantes ao
órgão). Outras:
flauta do jakuí (Kamayurá),
que era usada
para atrair o
herói mítico
Karytu; flauta
bu-bu (Tikuna);
flauta surubi (Aruak),
etc.

Flauta de pan: há
também a célebre
flauta de pan,
que foram muito
freqüentes entre
os jurunas e a
gente do "Homem
do Pacoval".
Constitui-se de
7, 10 e até 15
tubos de bambu,
unidos uns aos
outros num plano
horizontal por
meio de embiras
ou cipós. Sobre
este instrumento
foram feitos
alguns estudos
bastante
aprofundados,
percebendo-se que
eram construídos
de forma a
comporem acordes
musicais básicos.
Elemento de
cultura, alguns
arqueólogos
julgavam-na
egressa dos
Andes.
Os oiampis, da
Guiana, possuíam
flautas de 3 a 5
furos, que
tocavam pelo
nariz,
instrumento
também observado
na Rondônia,
entre os índios
da Serra do
Norte.

Além das flautas
de material
vegetal, os
indígenas
fabricavam as de
material animal,
tais como da
canela de veado,
de tíbias e
fêmures de
pássaros,
quadrúpedes,
afora ossos de
adversário
vencido.
O indígena criou
seus instrumentos
musicais,
retirando-os da
própria natureza.
Se nos detivermos
a estudá-los,
talvez nos ajudem
a entender a
magia que
encerram.
Desde do
alvorecer dos
tempos, a música
esteve junto ao
homem e os nossos
indígenas nunca
estiveram alheios
a sua magia,
aquela que é
capaz de
envolvermos em um
manto de
mistérios.

A música reflete
a memória de um
povo
transcendendo os
tempos e nos
possibilita a
reconstrução
histórica dos
mesmos.
Não se deve tão
somente difundir
a música
indígena, mas sim
promover a busca
dos sons da
natureza.
Considerando que
eles estão
perdidos para os
nossos ouvidos,
mas a verdade é
que estão
presentes no
assobio dos
ventos, na
corrida furiosa
dos rios, no
silêncio gélido
da montanha e, é
claro, no cântico
maravilhoso dos
nossos pássaros.
Na música, a
antiga aspiração
da Terra encontra
uma voz. A música
talvez seja a
arte que mais nos
aproxima do
eterno, porque
modifica imediata
e
irreversivelmente
a maneira como
experimentamos o
tempo.
Texto pesquisado
e desenvolvido
por
ROSANE VOLPATTO

Bibliografia
consultada:
Performance da
Música Indígena
no Brasil, os
instrumentos.
Amauri Araújo
Antunes.
Revista
Geográfica
Universal.
Artigo: A Magia
dos Sons ente os
Indígenas. J. A.
Peret.
Agosto/1985,
págs. 60 a 66.
Índios do Brasil
- Lima
Figueiredo. Livr.
José Olympio
Editora. 1949.

 

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