Ñamandu, pai verdadeiro, a seu mensageiro:
"Bem, vá meu filho!
A Karai, pai verdadeiro, pergunte
se estabelecerá em seu lugar verdadeiro
sua futura morada terrena'".
Karai, pai verdadeiro, ao mensageiro:
"Não estabelecerei, quanto a mim,
em seu lugar verdadeiro,
nada que é destinado a não durar.
Farei, quanto a mim,
abater minha cólera sobre essa terra."
Ñamandu, pai verdadeiro:
"Bem, as coisas sendo assim,
vá e pergunte a Jakaira, pai verdadeiro,
se sua morada terrena
será instalada em seu verdadeiro lugar."
Jakaira, pai verdadeiro:
"Desejo, quanto a mim, estabelecer em seu lugar
minha futura morada terrena.
Vejam que minha terra já anuncia
a infelicidade da ferida
para nossos filhos e para os últimos de nossos filhos.
Ora, apesar disso, farei
com que se espalhe a bruma.
As chamas, a bruma, seguramente farei
com que se espalhem sobre os seres destinados
aos caminhos que percorrem
a pátria da má vida.
Quanto ao tabaco,
quanto ao esqueleto da bruma,
farei com que existam, a fim de que atrás dela
possam abrigar-se nossos filhos.
Espalharei docemente, quanto a mim,
sobre todos os seres da floresta
a luz dos meus raios silenciosos."
Nosso pai primeiro-último, o pequeno,
estabeleceu em seu lugar esta terra.
Sobre o leito de sua terra, ele fez que aparecessem
os adornados cujas coroas de plumas murmuram.
Para acompanhar sobre sua terra
essas cujas coras de plumas murmuram:
os adornados de murmurantes ornamentos de plumas.

A "Terra Nova", não é igual a Primeira, pois não pode existir senão no modo de imperfeição. Ela é agora a terra dos homens e não mais dos deuses. Por ter sido banida, ela se tornará a Terra do Mal, ou a Terra da Infelicidade.

Os deuses não estão mais para brincadeiras e criam a nova terra má e se aprontam para colocar os humanos nesse espaço de imperfeição, esse será portanto, o castigo merecido por não terem conseguido viver na Primeira Terra de acordo com suas expectativas.
HOMEM MAU = TERRA MÁ
Agora, os homens estarão habitando a terra que lhes cabe por merecimento e passarão a ser vítimas dos jogos dos deuses.
Mas os homens não se conformarão e lembrarão sem cessar a dívida que contraíram com eles na origem do mundo.

Na poesia transcrita acima, podemos constatar o interesse de Ñamandu em criar uma nova terra perecível, mas não tem o respaldo dos deuses. Karai recusa-se a criar algo que não dure. Todo esse trabalho foi assumido por Jakaira, que apesar de já ter conhecimento dos maus presságios para todo aquele que habitasse a terra nova, estava disposto a reconstruí-la. Entretanto, para ajudar seus futuros filhos, espalharia sobre eles uma neblina vivificante. Também outorgaria aos homens o uso do tabaco, para que fumando em seus cachimbos, pudessem comunicar-se com os deuses.
A neblina é um fenômeno muito comum na serra, que a maioria das vezes, aparece mais forte no princípio da primavera. Para o povo guarani, talvez em virtude de sua alta concentração de umidade, infunde vitalidade a todos os seres vivos. A fumaça que desprende-se do tabaco queimado nos cachimbos sagrados, também está associada a essa neblina original, que dá ao homem a possibilidade de transitar por uma realidade que possui múltiplos planos, inclusive acender a morada dos deuses e conversar com eles.

A terra nova, embora seja um lugar de infelicidade, torna-se um lugar vivível, graças à neblina (bruma), graças ao fogo e à fumaça do cachimbo que protegerão seus novos habitantes.
Eis que surgem então os adornados de coroas, os xamãs da atualidade, que sabem prever o futuro, muito embora ele seja de infelicidades.
Assim foi reconstruída a nova morada na terra, essa em que vivemos atualmente, que podemos considerar como a segunda terra. Os Cantos Sagrados dos guarani dizem que está para vir uma terceira terra e que será sem imperfeições, mas enquanto tal feito não ocorre, os indígenas buscam acender a Terra Sem Mal, observando um comportamento livre de maldades, dançando, entoando seus Cantos Sagrados e escutando a voz do Pai Primeiro.

A vida do guarani hoje alcança duas dimensões. A primeira é a do rito, da dança e do canto, onde o povo comemora o passado, festeja o presente e antecipa a "Terra-Sem-Mal", onde encontrarão a felicidade eterna. Já a outra dimensão é de luta e resistência à forças que atentam contra a própria vida, forças essas consideradas ocultas travadas contra a fome e as diversidades da natureza. Mas é a relação que estabelecem com seus deuses que os reúne em comunidades. É somente a religiosidade que os anima, sem ela não sobreviveriam.
O desejo de atingir os sete firmamentos sobre os quais reina Ñamandu jamais deixou os guarani.
Texto pesquisado e desenvolvido por
ROSANE VOLPATTO


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